Religião versus progresso

O tão esperado progresso econômico e social só será possível quando tivermos a separação definitiva entre fé e Estado.

A religião causa dois problemas insolúveis nas sociedades modernas:

  1. A fé contamina e distorce a razão humana; coloca em pé de igualdade as informações obtidas por meio da observação e pensamento racional e as pseudoverdades das revelações, sentimentos e mensagens místicas. Estas podem surgir como sonhos ou mensagens transmitidas através de “médiuns”, videntes, Messias ou qualquer homem que detenha o poder de dialogar com “Deus”.
  2. A religião adota o código moral “altruísta” que defende a priorização das necessidades dos “outros” acima das suas. Isso altera o curso espontâneo da natureza humana, criando culpa e gerando obediência. Isso acontece porque o homem, incapaz de cumprir um código moral que altera e distorce a sua natureza, é obrigado a transgredi-lo, mas, ao fazê-lo, sente-se culpado.

Loris Zanatta, destacado acadêmico da Universidade de Bolonha, nos alerta em seus livros sobre os riscos envolvidos em ceder o controle intelectual e político da sociedade à religião, mais especificamente, ao “populismo jesuíta”; também nos antecipa que, se fizermos isso, sofreremos “a longa agonia da nação católica”.

Por sua vez, Antonio Escohotado, proeminente filósofo e jurista espanhol, realiza uma investigação aprofundada em “Os inimigos do comércio. Uma história moral da Propriedade”, explicando como a religião estimula o ódio ao espírito do lucro, destruindo assim o comércio.

Ayn Rand, destacada filósofa e romancista norte-americana, defender permitir que todos expressem sua devoção religiosa com total liberdade, porém nos alerta sobre os riscos que incorremos ao misturar raciocínio lógico, baseado em evidências, com atalhos míticos do “além”.

Rand explora as origens primitivas da fé religiosa, colocando-a na infância e adolescência de nossa espécie; ela atribui essas crenças à confiança que depositamos em familiares, responsáveis, professores e amigos. Precisamos confiar neles para sobreviver e, portanto, estendemos essa confiança a todas as suas reivindicações, mesmo quando não apresentam evidências para apoiá-las.

Uma das principais razões dessa confiança é o medo… medo de contestar declarações arbitrárias, ordens arbitrárias (“porque eu digo”) que, por sua vez, derivam do princípio da autoridade. Quando devemos escolher entre validar nossa própria percepção (“eu sei”) ou validar as reivindicações de terceiros (“eles sabem”), escolhemos a autoridade de terceiros sobre nossas próprias observações e conclusões. Não ousamos desafiar tais crenças, pois o preço a pagar é avaliado como “muito alto”.

Geralmente, este preço consiste em ser excluído, deixar de pertencer ou ser discriminado. A fé na crença em seres sobrenaturais sempre parte da crença na superioridade dos outros. Num mundo de obediência, não é saudável levantar a voz. A tribo prevalece sobre o espírito de independência. Somente aqueles que conseguem ganhar confiança em sua própria razão são capazes de confiar em suas próprias conclusões. A maioria não consegue e acaba cedendo, aceitando dogmas impostos e dando lugar à sociedade da “obediência”. Enquanto um homem disposto a pensar por si mesmo confia em suas próprias conclusões, quem aceita afirmações sem evidências acostuma-se a obedecer. E quem é capaz de afirmar “é assim porque eu o digo” sem explicar o porquê, está disposto muitas vezes também a sustentar suas afirmações colocando um revólver na mesa.

Um elemento importante que as religiões utilizam para gerar obediência é a “culpa”. Jesus de Nazaré, aceitando seu martírio nas mãos de seus inimigos e até mesmo manifestando amor por eles, pôde em seu momento gerar culpa e quebrar a autoconfiança do Império Romano. Afinal, é muito difícil crucificar alguém que diz que nos perdoa e nos ama apesar de tudo…. O Império Romano converteu-se ao cristianismo em 380 d.C., confirmando a eficácia deste sacrifício.

À medida que a conduta de Jesus afetava e demolia a barbárie romana, muitos de seus seguidores aperfeiçoaram o método de conquistar obediência e poder. O objetivo não era mais demolir um império, mas criar um novo. Para isso, a ideia de “pecado original” é resgatada. De acordo com a Bíblia, a causa da expulsão do Paraíso foi Adão e Eva terem comido o fruto do conhecimento, adquirindo uma mente e se tornando animais racionais; enfim, por terem aprendido a julgar e distinguir por si mesmo o bem do mal, por terem escolhido trabalhar para ganhar o pão com o suor do rosto e por terem adquirido a capacidade de gozo sexual. A condenação, portanto, vem de seus novos atributos: raciocinar, fazer juízos de valor, criar e desfrutar. O que está sendo condenado é a própria essência de sua natureza; portanto, não há escapatória possível. Desfrutar de todos ou alguns desses valores nos torna pecadores, então, o resultado inevitável é que, desde o nascimento, todo homem é um pecador.

A ideia religiosa sustenta que o homem não está em condições de conceber Deus e, portanto, deve obedecê-lo; você não deve questionar, você deve submeter-se.

O conflito contra a modernidade parece, então, inevitável: enquanto o liberalismo e o capitalismo pedem liberdade, produtividade, criatividade e a busca da própria felicidade, a religião condena esses desejos.

A Igreja adiciona ao “pecado original” um segundo elemento gerador de culpa e obediência: imitando o sacrifício de Cristo, quer que nos sacrifiquemos pelo próximo, pelo bem comum, pelo povo. Isso será imitado pela classe política substituindo Deus pela raça, nacionalidade ou classe social.

O “altruísmo” explica que devemos sempre colocar os outros antes da nossa pessoa ou nossos interesses. Significa deixar de lado nossos sonhos e aspirações em benefício dos outros, de preferência dos mais necessitados, dos que sofrem e dos enfermos.

Nesse código moral, o Eu, o individualismo, simboliza tudo o que é ruim e detestável; por outro lado, toda ação empreendida em benefício dos outros é um símbolo de bondade. Lutar por seus próprios interesses é considerado egoísta. Sacrificar-se pelos desejos dos outros, virtuoso.

Ayn Rand se pregunta: por que um homem deveria viver para o benefício de outros? Por que isso é bom? Não há respostas.

Por que é moral nos colocarmos a serviço da felicidade dos outros e imoral tentar alcançar a nossa?

Por que é imoral desejar coisas para si mesmo, mas é moral satisfazer os desejos de outras pessoas?

Por que é imoral produzir algo e mantê-lo (propriedade privada), mas é moral doá-lo e que outros o aceitem?

Por que é imoral viver pelo seu próprio esforço e moral aceitar viver pelo esforço dos outros?

Se você for bem-sucedido, estará condenado a servir aos outros. Se falhar, não deve se preocupar, pois o governo colocará um homem de sucesso ao seu serviço para alimentá-lo.

A condenação moral, a culpa, sempre recai sobre os egoístas, os comerciantes, os que lidam com contratos; os beneficiários são todos aqueles que, por terem fracassado, são recompensados ​​com os bens alheios. O altruísta está preocupado com o sofrimento e não com aquele que está em condições de proporcionar alívio ao sofrimento.

O altruísmo não se satisfaz com a caridade voluntária: quando alguns católicos liberais argumentam que a caridade deve ser voluntária, eles respondem que não há nada de errado com a compulsão, desde que seja em benefício de uma boa causa; neste caso, será usado para atacar a perversão egoísta. Todos têm a obrigação moral de proteger os seus irmãos e, se não fizerem por bem, o farão por mal. Se você se comportar de forma egoísta, seu comportamento prejudicará os outros e, portanto, será digno de punição. Por se comportar como um delinquente moral, merece ser punido. Assim, a “justiça social” nada mais é do que um ato de reparação para aqueles que sofrem a injustiça dos egoístas que não querem se sacrificar.

A religião, através de seus métodos, fé, obediência e sacrifícios já está em condições de estabelecer a sociedade ideal. E, se mesmo com seus métodos não obtiver obediência a Deus, terá pavimentado o caminho para que líderes populistas obtenham obediência à raça (nazistas), ao povo (fascistas) ou ao proletariado (comunistas).

A ausência de incentivos e a ruína econômica que esses princípios inevitavelmente causam mostram o fracasso desse código moral. No entanto, as pessoas, longe de tentarem mudar esse código, preferem continuar tentando fórmulas para fazer o altruísmo socialista funcionar. Tal é a força de um código moral aprendido desde a infância.

O antídoto para o altruísmo exige destacar o direito de cada homem de viver para si e para as coisas que valoriza sem se sacrificar pelos outros ou pedir aos outros que se sacrifiquem por ele.

Ao destacar o direito de todo homem de dispor de sua vida, dos frutos de seu trabalho (propriedade) e de tentar alcançar sua própria felicidade.

Defender o autointeresse racional não implica defender o hedonismo (busca do prazer a qualquer custo) ou o subjetivismo (caprichos); não se trata de buscar o prazer instantâneo sem olhar para o longo prazo. Consiste, sim, em orientar-se para uma vida racional que permita o seu próprio florescimento.

O altruísmo não deve ser confundido com benevolência. Cada pessoa é uma fonte de valor potencial para nós: podemos trocar conhecimentos com ela, bens e serviços ou amizades que nutrem minha vida. Por isso, em toda sociedade livre desenvolvem-se relações amistosas, já que não exigem sacrifícios. Isso se chama “benevolência” e é uma qualidade nobre da espécie humana.

Por fim, é importante ressaltar que o princípio da tolerância exige absoluto respeito a todas as formas de pensamento, inclusive as religiosas; acima, apresentamos os inconvenientes que a religião gera naqueles que decidem se conformar com seus dogmas e princípios.

Na medida, porém, que uma sociedade não estabelece um monopólio religioso ou subsidia a educação religiosa, a competição ajudará a moderar algumas das conotações negativas causadas pelo dogma.

Se isso não acontecer, como antecipou Francisco Goya (ver gravura ao lado do título), os monstros continuarão a nos assombrar.

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Publicado originalmente em Infobae.

Traduzido por Priscila Vargas.

Revisado por Matheus Pacini.

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