Uma crítica à encíclica “Fratelli Tutti”

Jorge Bergoglio (também conhecido como Papa Francisco) escreveu Fratelli Tutti, uma Encíclica sobre a fraternidade e a amizade social, aconselho o mundo sobre como alcançar essas metas.

Pois bem, se seguirmos o conselho dele, não obteremos fraternidade, nem amizade social. No entanto, a sua Encíclica é a receita perfeita para semear o ódio, acentuar as diferenças sociais e aumentar a pobreza.

A Encíclica de Bergoglio não só constitui uma visão isolada de um papa com viés esquerdista, mas (apesar de muitos conservadores liberais tentarem separar Bergoglio dos postulados da Igreja) está alinhada com a tradição da maioria das encíclicas papais e postulados da Igreja e da religião católica, ao longo da história.

No geral, a receita de Bergoglio difere do apelo à fraternité, defendido por Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (também conhecido como “O Intocável”) que, junto com seus colegas jacobinos (Louis de Saint Just, Jean-Paul Marat e George Jacques Danton), promoveram as ideias de Rousseau e da Revolução Francesa. Essa se tornou violenta, dando origem à “Era do Terror” que, entre 1793 e 1794, ceifou a vida de mais de 40.000 franceses, incluindo muitos membros do clero e da Igreja que, juntos à aristocracia e à nobreza, apoiavam a tirania dos monarcas daquele país. Mas o conteúdo da proposta papal tem muitas semelhanças com a proposta dos revolucionários da época: pede que os homens renunciem ao seu individualismo, à sua ganância, à sua avareza e aos seus direitos, em benefício do bem comum. Naquela época, quem decidia o conteúdo do “bem comum”? A maioria parlamentar da Assembleia, dominada pelos jacobinos. E hoje? Os Estados nacionais. E o que ocorria com quem discordava ou votava contra? Tinha grandes chances de ser preso, torturado e guilhotinado. Podemos voltar a esse estado, caso insistamos em repetir os mesmos erros.

O resultado da Revolução Francesa não foi liberté, égalité, fraternité. Em vez de “igualdade”, conseguiram um imperador, Napoleão Bonaparte, que governou a Europa a ferro e fogo, por 20 anos. Em vez de “fraternidade”, transformaram a França no Reino do Terror. Em vez da “liberdade”, obtiveram submissão, despotismo, guerra e confiscos.

A Encíclica Papal é um ataque claro às liberdades individuais e, novamente, ao capitalismo. Nesse documento, o papa sustenta que as divisões políticas são causadas por um “individualismo” excessivo, termo que é alvo repetido de seus ataques. Para combater esse mal, Bergoglio propõe “caridade” e “solidariedade”, com a novidade de que indivíduos e governos devem implementar.

O Papa continua, na sua encíclica, a tradição cristã de que a “propriedade privada” deve estar subordinada às necessidades dos pobres e mais necessitados. “Temos a obrigação de compartilhar com os pobres”.

Preocupado com a desintegração do mundo (Brexit, Trump, Johnson, a ameaça da China), porém, ele critica o principal projeto integrador do mundo, a “globalização”, resumindo-a à busca por domínio e “imperialismo cultural”. Sem dúvida, então, a principal força desintegradora do mundo é o “individualismo vazio”, a ambição pessoal inimiga do bem comum, e o egoísmo, apresentado como um “abuso contra o próximo”.

Segundo a encíclica, em lugar de nos preocuparmos com nosso próprio bem-estar, os “necessitados” devem ser nossa maior prioridade. A caridade se torna, assim, não só uma obrigação de todo cidadão virtuoso, mas também de todo político decente. Então, os políticos devem se dedicar à redistribuição de renda, à justiça social e à implementação do estado de bem-estar. A solidariedade não pode nem deve ser um ato esporádico de generosidade. Que uns poucos se apropriem de bens escassos é, portanto, uma imoralidade e uma injustiça. É o equivalente a roubar. Devemos exigir que seja devolvido aos pobres o que lhes pertence por direito. O governo que redistribui cumpre, assim, o imperativo ético da justiça, devolvendo aos pobres aquilo que lhes foi roubado.

Como ocorreu esse “roubo”? Através dos mercados, da especulação financeira e do capitalismo.

Sempre que Bergoglio se refere aos lucros dos empresários, utilizo os termos “apropriação” ou “acumulação de riqueza”.

Em toda a sua encíclica, não dedica um único parágrafo ao processo de criação de riqueza. Como a riqueza é criada? Bem… Deus a provê.

O incrível crescimento do PIB mundial per capita (que passou de 300 para 7.000 dólares nos últimos 250 anos) é totalmente ignorado. A Revolução Industrial só é mencionada para ilustrar abusos.

A ideia papal é a de que a riqueza é fixa. Imagine uma macieira: se alguém pegar muitas maças, sobrarão poucas para os demais.

O fato de o capitalismo gerar pomares que fornecem milhares de maçãs é totalmente esquecido.

Como consequência dessa interpretação de “riqueza fixa”, o papa propõe que os direitos de propriedade sejam subordinados ao “bem comum”. Essa proposta é inspirada na tradição cristã desde a época do “Sermão da Montanha”. A riqueza não contribui em nada para a realização humana, por ser perversa. Devemos procurar tesouros no céu, e não na Terra. A Igreja propõe uma vida comunitária, típica de um convento, com votos de pobreza e, se possível, votos de castidade: sem propriedade privada, regida pela ética do altruísmo (autossacrifício para servir aos demais) e pela fé, e não a razão humana. Ordem e obediência exemplificam essa proposta.

O principal inimigo da ideia cristã é o indivíduo e o individualismo. A individualidade é tolerada, desde que subordinada ao bem comum. Devemos contribuir para o bem comum conforme nossas capacidades, retirando dele conforme nossas necessidades – as quais devem ser austeras e verificadas pelos encarregados pelo “bem comum”.

O fato de que a riqueza é criada, e que alimentar sete bilhões de pessoas requer inteligência, é sistematicamente ignorado pelo papa. O fato de que quem cria riqueza não a tira de ninguém, visto ela antes não existir, é deliberadamente omitido por ele. Acaso não é injusto que aquele que produz tenha de entregar seus bens a quem nada produz? Silêncio no tribunal.

Outro termo que não consta no vocabulário papal é “inteligência humana”. Quando o menciona – indiretamente – é para criticá-lo: produtos da inteligência do homem, como os avanços na tecnologia (geram desemprego), na comunicação digital (convertem-nos em zumbis) ou nas mídias sociais (nos tornam banais) devem ser descartados ou ter seu papel minimizado. Nada de novas ideias ou de pensarmos por nós mesmos. Devemos fazê-lo por meio da interpretação dos patriarcas da Igreja. Nossa independência nos levou ao domínio da pornografia, da fornicação e da destruição do meio ambiente. Lembremos os culpados desses desvios: egoísmo, ganância, consumismo, excesso de racionalidade, falta de fé.

Segundo Bergoglio, o egoísmo (autointeresse racional) se transforma em indiferença pelo próximo. Na realidade, o oposto é verdadeiro. Somente quem está satisfeito consigo mesmo está aberto à benevolência, ao comércio e às relações positivas e contratuais com os outros.

O Papa ignora o significado de produtividade, a harmonia que advém do comércio, os contratos, a propriedade privada e o capitalismo. Subordina a mente humana ao bem comum, sem compreender que, sem liberdade e propriedade privada, a mente humana não funciona.

O Papa proclama o direito de dispor dos produtos, mas não quer respeitar quem os cria. De onde vem a riqueza? Ele não responde, mas dá a entender que Deus a proverá pela fé, por intermédio da geração espontânea.

A verdade é que não apenas Bergoglio, mas a tradição da Igreja, subordinou até os próprios Mandamentos à sua própria interpretação: não matarás (a não ser que Deus o ordene). Não roubarás… “injustamente”. Com “justiça” e obedecendo aos desejos de Deus… daí pode.

A Encíclica insiste em que devemos devolver aos pobres o que lhes pertence por direito.

O individualismo surgiu durante o Renascimento, quando Tomás de Aquino resgatou e traduziu as obras de Aristóteles. Ali surgiu a ética que respeita o indivíduo, sua mente e propriedade. Ela rompe com a tradição da Igreja e seus requisitos de obediência, aumentando a autodeterminação pela primeira vez na história. Até então, a vida humana fora pré-determinada por um deus onisciente.

A religião e a Igreja Católica têm sido um obstáculo ao progresso e à autodeterminação das pessoas. Progredimos não por causa da religião, mas apesar dela. Durante os 1000 anos em que a Igreja governou (500 a 1500) desfrutando, com os monarcas, do poder temporal, o mundo estagnou sob a jurisprudência da Inquisição. As mentes livres eram caçadas e questionadas. Hoje, e muito provavelmente devido à perda do poder temporal, a Igreja emprega a persuasão e métodos pacíficos. Mas a intolerância do mundo árabe (ainda governado, em muitos casos, por monarcas e teocracias) nos permite entender como o mundo era governado pelo poder da Igreja.

Como reflexão final, fica a pergunta: Bergoglio é um desvio esquerdista do espírito da Igreja, ou o socialismo é uma versão secular das ideias que a Igreja defendeu ao longo de sua história?

O Concílio Vaticano II continuou fundamentando o “destino universal dos bens”, a Centesimus Annus, afirmando que os mercados devem ser controlados pelas forças sociais e pelo Estado”. Pio XI e João Paulo II mostram o mesmo padrão conceitual: o capitalismo não pode ser livre. Deve ser controlado e dirigido pelo Estado para controlar os excessos individualistas. O individualismo, segundo a Igreja, nada mais é do que “a cultura da morte”, devido a um “eclipse do sentido de Deus”. Um vírus a ser combatido.

Somos todos responsáveis ​​por todos. Para a Igreja, o governo tem um papel central na proteção e promoção do bem comum. A Igreja, ao contrário de Ronald Reagan ou Margaret Thatcher, não acredita que o governo seja o problema, mas sim parte da solução. O Estado deve existir para “defender e promover o bem-estar da sociedade”. O seguro social, os planos sociais, a previdência social fazem parte do programa da Igreja. O Estado pode permitir atividades privadas, desde que regulamentadas e dirigidas pelo governo. Se os mercados não solucionarem os problemas, o Estado deverá fazê-lo (princípio da subsidiariedade). As necessidades dos famintos e despossuídos devem estar sempre em primeiro lugar. A globalização conspira contra o progresso. As empresas devem ser protegidas para favorecer a industrialização; as corporações, regulamentadas, para que não acumulem poder; os sindicatos, proteger os direitos dos trabalhadores.

As instituições financeiras internacionais que incentivam cortes nos gastos sociais devem ser combatidas.

Apenas a doutrina social cristã poderá frear – segundo o Papa – a onda de libertarianismo individualista, que está rompendo e açoitando o mundo em nossos dias.

A influência da Igreja assumiu o controle da América Latina ao longo do século XX e ameaça estender sua influência até o século XXI. Todo o pensamento político latino-americano e seus valores éticos estão plenamente representados na doutrina social cristã.

É aí, e no medo inspirado pelo confronto com as ideias de uma instituição com 20 séculos de história, que residem os principais obstáculos que nos impedem de transformar nossos países latino-americanos em países onde reina a liberdade.

O que se deve enfrentar é o altruísmo como bandeira ética da Igreja, e o sentimento da fé como instrumento para a tomada de decisões, que competem diariamente com a razão humana.

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Traduzido por Matheus Pacini.

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