Um poema para tempos difíceis: “Se”, de Rudyard Kipling

Ayn Rand foi romancista e conhecedora de ficção. Ela mesma admitiu que não era “uma admiradora da poesia” e que achava “impossível discutir isso”.[1] Mesmo assim, depois de responder isso em uma sessão de perguntas e respostas, Rand descreveu um de seus poemas favoritos. Segundo vários relatos, provavelmente era seu poema favorito[2]: “Se”, do autor britânico Rudyard Kipling:

Gosto muito de alguns poemas de Kipling, tanto em forma como em conteúdo. Curiosamente, amo o poema “Se”. Os modernos o transformaram em algum tipo de clichê… Eu já o vi emoldurado e vendido em lojas de bugigangas. Se um poema pode sobreviver a isso, é um grande poema. E ele já me ajudou várias vezes, em momentos tristes, e espero que faça o mesmo por vocês. É um grande poema.[3]

Já que estamos passando por tempos difíceis agora, vale a pena revisitar esse poema. Segue na íntegra:[4]

Se

Se és capaz de manter a tua calma quando

Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;

De crer em ti quando estão todos duvidando,

E para esses no entanto achar uma desculpa;

Se és capaz de esperar sem te desesperares,

Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,

Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,

E não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar –sem que a isso só te atires,

De sonhar –sem fazer dos sonhos teus senhores.

Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires

Tratar da mesma forma a esses dois impostores;

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas

Em armadilhas as verdades que disseste,

E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,

E refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada

Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,

E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,

Resignado, tornar ao ponto de partida;

De forçar coração, nervos, músculos, tudo

A dar seja o que for que neles ainda existe,

E a persistir assim quando, exaustos, contudo

Resta a vontade em ti que ainda ordena: “Persiste!”;

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes

E, entre reis, não perder a naturalidade,

E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,

Se a todos podes ser de alguma utilidade,

E se és capaz de dar, segundo por segundo,

Ao minuto fatal todo o valor e brilho,

Tua é a terra com tudo o que existe no mundo

E o que mais –tu serás um homem, ó meu filho![5]

Em 1962, em uma coluna no jornal Los Angeles Times, Rand ofereceu uma reflexão sobre o que o poema significava para ela. Alertando contra deturpações de sua filosofia, ela contou como lidou com difamações no passado:

Em uma entrevista de televisão, Mike Wallace me perguntou o que eu achava dessas táticas. Respondi que concordo com um conselho do poema “Se”, de Kipling: “Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas em armadilhas [de tolos] as verdades que disseste…” Eu posso suportar. Não é com tolos que procuro falar.[6]

É importante ressaltar que Rand provavelmente não concordaria com todos os versos do poema. Embora elementos importantes de sua filosofia considerem o desastre como uma espécie de “impostor”, como metafisicamente insignificante, ela não diria o mesmo sobre o triunfo. Pela mesma lógica, ela não concordaria com a ideia de que ninguém deve contar muito com sua vida. Embora ela insistisse que não se deve comprometer as próprias crenças e valores pelo bem dos outros, ela achava que as pessoas que se ama são valores cruciais na vida de uma pessoa.

É exatamente pelo fato de Ayn Rand pensar que valores cruciais são importantes na vida que ela ficava constrangida em listar suas coisas favoritas, incluindo seus poemas preferidos. Em tempos como esses, é importante identificar e lutar para proteger nossos maiores valores. E se os perdermos, devemos “refazê-los com o bem pouco que nos reste.”

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Publicado originalmente em The New Ideal.

Traduzido por Matheus Pacini.

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[1] Ayn Rand, citada em Leonard Peikoff, The Philosophy of Objectivism, Palestra 11, (1976, 2:17:24). Transcrição editada reimpressa em Robert Mayhew, Ayn Rand Answers: The Best of Her Q&A. New York: New American Library, 2005. p. 220.

[2] Não encontrei registro impresso da declaração de que esse era seu poema favorito, mas várias pessoas que a conheceram bem afirmam isso. Veja Susan Ludel, citada em Scott McConnell, 100 Voices: An Oral History of Ayn Rand. New York: New American Library, 2010. p. 396; e Leonard Peikoff, “Poems I Like and Why (Parte 1)”, palestra ministrada na conferência do Lyceum International Objectivist, 1999. O poema até foi lido no funeral dela, de acordo com Peikoff e John Ridpath, citados em McConnell, 100 Voices, 360.

[3] Peikoff, Leonard. Philosophy of Objectivism, Palestra 11 (2:18:05); Mayhew, Ayn Rand Answers, p. 220.

[4] Rudyard Kipling, “If–,” in Rewards and Fairies. New York, Charles Scribner’s Sons, 1910. pp. 200–201.

[5] Tradução de Guilherme de Almeida.

[6] Ayn Rand, “An Open Letter to My Readers”, Los Angeles Times, 26 de agosto de 1962. Reimpresso em Peter Schwartz (ed.), The Ayn Rand Column: Written for the Los Angeles Times, segunda edição revisada (New Milford, CT: Second Renaissance Books, 1998), 34.

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