Sobre a imoralidade dos impostos

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Contexto

Ao apresentar os artigos da semana publicados pelo Instituto Liberal que tiveram maior impacto, Lucas Berlanza cita um dos meus e por equívoco involuntário afirma que objetivistas defendem a existência de um governo que seria mantido através de impostos pagos voluntariamente, o que caracteriza uma contradição nos próprios termos.

A afirmação dele me levou a fazer um comentário, o que desencadeou uma reação que replico aqui, já que lá, onde a conversa começou, não há espaço:

Roberto Rachewsky:

“Lucas Berlanza, obrigado pela oportunidade. Faço apenas uma correção conceitual que me parece fundamental. Não defendo impostos. Defendo taxas. Imposto, como o próprio nome já diz, é uma cobrança coercitiva que usa a força como forma de convencimento. Taxas são pagas a partir da prestação de um serviço, e só serão exigidas mediante a prestação de serviço demandado voluntariamente pelo usuário do serviço. A visão objetivista é totalmente contrária à cobrança de impostos e absolutamente favorável a que o governo, que é um bem necessário na defesa dos direitos individuais, seja financiado por taxas pagas voluntariamente.”

Livia Capelini:

“Roberto Rachewsky, interessante a sua posição. Mas, na minha visão, é algo utópico. É interessante na teoria. Na prática, inexequível.”

Roberto Rachewsky:

“Livia Capelini, não existe teoria que não se comprove na prática. E não há nada de utópico em uma determinada região existir um governo que sirva seus habitantes através do pagamento por seus serviços. Por que seria? Basta você entender a teoria e verá que ela é perfeitamente exequível. No Brasil, por sinal, já temos elementos que provam que isso funciona. Me explica o que te leva a pensar assim, que responderei.”

Livia Capelini:

“Roberto Rachewsky, comecemos pela diferença entre Estado e governo. O Estado nasce com a civilização. Civilização, para Toynbee, é quando uma minoria da sociedade, mesmo que muito pequena, liberta-se não apenas da atividade de produzir alimento, mas de trabalhar em qualquer outra atividade econômica – como indústria, comércio – com o objetivo de manter a vida da sociedade no plano material, ao nível cultural de civilização. Exemplo de administradores (políticos), guerreiros (militares), sacerdotes, artistas (cientistas). Nasce o Estado, primeiramente nas sociedades hídricas (esforço conjunto para dominar o fluxo dos rios e armazenar o excedente da produção). O governo seria apenas uma instituição para administrar o Estado. Nesse sentido, o Estado civilizado seria um conjunto de direitos e deveres. Dentre os direitos está a proteção, alguns serviços, etc… Entre os deveres, o pagamento de impostos e o serviço militar.
Um Estado possui cinco expressões do poder: econômico, militar, político, científico-tecnológico e cultural, não apenas o econômico. O dever do chefe de Estado, diferente do chefe de governo – que é administrar – é manter o Estado no nível material da civilização. Ou seja, a lógica libertária só é exequível abandonando o nível civilizacional e regredindo à barbárie. Resumindo: você partiu unicamente do pressuposto econômico e desconsiderou a diferença entre governo e Estado.”

Adendo de Roberto Rachewsky:

Vejam como ela parte para a rotulagem – neste caso, indevida – já que sou um anarquista libertário. Ela não entendeu que governo financiado voluntariamente e anarquia são coisas totalmente diferentes.

Dito isso, aqui vai meu comentário final porque lá, como já disse, não há espaço:

Roberto Rachewsky:

Livia Capelini, não tire conclusões tão apressadas. Além do mais, não há relação causal nessas suas conclusões. Em vez de dizer o que eu não penso para contra-argumentar, explicarei o que defendo, já que não estou disputando nada contigo e nem pretendo.

Vou explicar, você analisa e decide no que acredita.

Contudo, você não pode criticar o que vou apresentar com base em conceitos e pensamentos alheios. Você deve usar a sua própria mente, conectá-la à realidade e se valer da lógica para corroborar o que tiver que dizer.

Falácias como recorrer ao princípio da autoridade não devem servir como argumentação.

A civilização não é fruto de um determinismo histórico, pelo contrário. Todos os movimentos civilizatórios foram conquistados a partir de revoluções liberalizantes que romperam com o status quo e criaram instituições para protegerem a privacidade e a individualidade daqueles que faziam parte do contexto social existente.

A história é resultado da filosofia reinante, hegemônica entre governantes e governados.

A diferença formal entre os conceitos “estado” e “governo” é irrelevante quando a abordagem é filosófica. Vamos focar no essencial, e não no acessório. Da mesma forma, nesse caso você acerta na prescrição apesar de errar no diagnóstico, já que eu não incorri no erro de partir da economia para estabelecer os preceitos que levarão à organização de uma sociedade.

Economia é uma ciência derivada da política. Serve para descrever e prognosticar as consequências econômicas das relações do ser humano com as coisas da natureza e com os demais indivíduos a partir de leis próprias que são ou serão conhecidas, entre elas a lei da oferta e da procura.

Não se deve partir da economia porque economia, como subproduto da política, depende desta, e a política depende de outros ramos filosóficos que a antecedem e lhe dão substância.

A filosofia é um edifício intelectual, e como todo edifício, não pode ser iniciado pelo telhado sob pena de ruir.

Para chegarmos à conclusão de que é preciso um governo para que o ser humano se torne civilizado, é preciso entender que civilizar-se é libertar-se dos outros homens, é ter uma vida privada em que os direitos individuais à vida, à liberdade, à propriedade e à busca da felicidade são imprescindíveis e invioláveis.

O estabelecimento dos direitos individuais não impõe deveres aos indivíduos que não apenas o de respeitá-los. Direitos e deveres restringem-se ao campo dos contratos, implícitos ou tácitos.

Cabe ao governo, entendendo-se por isso o conjunto de leis e instituições criadas com o único propósito de defender os direitos individuais, apenas retaliar contra aqueles que atentarem contra eles através da iniciação do uso da força ou de fraude. Ou seja, já começa a ficar claro que há a necessidade de se reconhecer um princípio não axiomático que é o princípio de não agressão. Não agredir é um princípio, mas não é axiomático porque não é autoevidente, precisa ser imposto, e se autorefuta no exato momento de uma agressão de A à B. Logo, o PNA requer, exige que haja um governo limitado e dirigido por leis que lhe dirão como agir quando alguém contrariá-lo ao desrespeitar leis que devem dizer clara e objetivamente o que as pessoas não podem fazer para não incorrerem no crime de violação dos direitos individuais dos demais e, consequentemente, desrespeitando o princípio civilizatório da não agressão.

Cabe dizer novamente que agressão significa iniciar o uso de força ou fraude contra alguém para obter, tirar ou destruir o que não lhe pertence sem o consentimento daquele que possui os direitos sobre o objeto, latu sensu, em questão.

A teoria do estado ou os princípios e finalidades que envolvem o governo em uma sociedade se situam no quarto andar dos cinco andares que constituem o edifício filosófico que precisa ser construído.

Como eu disse anteriormente, precisamos erigir os andares anteriores àquele onde a política e a economia residem, o que nos leva a tratar da metafísica, andar térreo dessa construção.

A metafísica, segundo Aristóteles, diz que a existência existe, que tudo que existe possui uma identidade única e que o conjunto das características desse ser existente formam uma entidade que, colocada em movimento, produz consequências que não podem contrariar a natureza de seu ser.

Um dos seres existentes na natureza é o ser humano que possui uma característica única – é dotado de uma consciência e de uma faculdade especial que lhe servirá para enfrentar os desafios da existência -, a saber, a capacidade volitiva e necessária de usar a razão.

Ser ou não ser, existir ou não existir, dependerá do exercício desta faculdade, usar ou não a razão.

No segundo andar do nosso edifício está a epistemologia, ou teoria do conhecimento. Conhecimento é elemento-chave na nossa trajetória como seres vivos que precisam usar a razão para sobreviver. Temos instintos, mas eles não regem as reações dos seres vivos que os possuem. De nada serve, para adquirirmos conhecimento, a crença em dogmas ou superstições. Para que possamos adquirir o conhecimento necessário que mantenha a nossa existência, é preciso usar a razão de forma adequada, isto é, o método científico-indutivo para aprendermos observando a realidade, identificando e conceituando os concretos, integrando-os para criarmos abstrações na forma de ideias que serão utilizadas, caso sejam confirmadas pela lógica, para guiar nossas ações, como consequência das nossas escolhas.

Quando falamos em escolhas, começamos a construir o terceiro andar do nosso edifício, aquele onde reside a ética.

A ética é o guia, o manual de instruções para que nós, seres humanos, possamos viver nesse mundo. Não apenas viver, mas também viver em busca de nossa felicidade.

É no terceiro andar da nossa construção que decidiremos como devemos viver, quais são os propósitos da nossa vida, quais são os valores que devemos criar, adquirir, manter e dispor para satisfazer tais propósitos. Para dar norte a essa viagem existencial, precisamos eleger um padrão de moral superior que esteja acima de todos os valores, e esse padrão só pode ser a nossa própria vida e a nossa própria felicidade.

Quando eu falo em valores, não estou tratando de economia, não me restrinjo aos valores materiais escassos ou abundantes, refiro-me a valores em geral, tudo aquilo que mantém nossa vida viável, mas também que proporcionam às nossas vidas o estado de felicidade que todos querem experimentar.

Todos têm direito à vida, sem vida nada existe.

Todos têm direito à liberdade, sem liberdade não podemos agir de acordo com o nosso próprio julgamento, não podemos assumir a responsabilidade sobre nossos atos, logo, sobre nossa própria vida.

Todos têm direito à propriedade, seja na forma que for. Um bem, tangível ou intangível, representado por algo de valor sobre o qual o direito de criá-lo, mantê-lo para dele dispor como se quiser é inalienável, no sentido de que ninguém pode tirá-lo sem que algo seja dado sob o consentimento do proprietário.

Todos têm direito à busca da felicidade, entendendo-se que buscar a felicidade não significa que devemos ser providos com ela à revelia dos méritos.

Buscar a felicidade só é possível se pudermos escolher os propósitos que, se alcançados, nos colocarão naquele estado de satisfação inalcançável com o mero prazer caprichoso ou hedonista que normalmente é confundido com o que é ser feliz.

A felicidade verdadeira só é alcançada quando satisfazemos nossos propósitos de longo prazo, sem violar nossos padrões éticos, sem violar nossos princípios, sem trocar valores superiores por inferiores, sem nos sacrificarmos e sem sacrificarmos os outros.

A felicidade não vem apenas com valores materiais, mas principalmente com a criação, manutenção e desfrute de valores intelectuais e espirituais como conhecimento, paz e amor.

Para que isso seja possível de ser alcançado é que precisamos decorar o quarto andar com uma mobília adequada que combine com o nosso ser, com a nossa natureza, com as nossas aspirações, individualmente definidas porque a busca da felicidade é algo que pertence ao indivíduo, assim como é individual o ser, o pensar, o agir, o acertar e o errar.

No quarto andar, está a política que deveria ser exatamente a transposição da ética para o contexto social. É no quarto andar que a humanidade se reúne, se encontra para tentar criar, adquirir, manter e dispor dos valores que permitirão a cada indivíduo buscar a felicidade que é o mais elevado propósito da vida.

Dada a nossa natureza, dada as nossas características como o ser racional desprovido de instintos cuja racionalidade requer esforço e vontade para se mostrar presente, dados os valores que necessitamos para viver como os seres humanos que somos, exige-se o reconhecimento de que temos direitos individuais inalienáveis e que, no contexto social, esses direitos se mantém válidos, devendo ser protegidos por essa instituição chamada governo, formada por leis e pessoas postas na tarefa de garantir que as relações interpessoais que caracterizam um mercado estejam protegidas da violência definida como o uso da coerção, força e fraude, contra os direitos individuais.

Ora, quem reconhece a necessidade do governo para que este ideal seja alcançado, entende que o governo é um bem necessário dotado de valor objetivo pelo qual vale a pena pagar para que ele exista.

No entanto, a existência do governo que tem o objetivo exclusivo de proteger os direitos individuais não pode estar fundada nem pode estabelecer um paradoxo.

Não é possível que alguém, para proteger os direitos individuais em uma sociedade, tenha que usar de violência para ser viável. É uma contradição violar e, ao mesmo tempo, proteger os direitos individuais. Isso é esquizofrênico.

É uma contradição insuperável. É por isso que, quando se fala em teoria do estado é preciso desafiar o status quo que defende a cultura do “imposto não é roubo” para se pensar em como financiá-lo voluntariamente.

A solução não é acabar com o governo que deve atuar como foi acima demonstrado.

Imposto é , e o governo pode e deve ser financiado voluntariamente através do pagamento de taxas por serviços contratados.

Governo não é empresa porque não é uma instituição produtiva. Governo usa a coerção, e coerção pertence à categoria das ações destrutivas. Não cabe ao governo competir porque isso seria a guerra e não a paz estabelecida sobre princípios universais como a ética que diz que o mais importante para cada indivíduo é a sua vida e felicidade.

Governos são necessários para libertar os homens dos outros homens e não para saciar os homens para libertá-los de suas demandas e vontades.

Como financiar o governo voluntariamente? Isso é conversa para outro momento.

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Revisado por Matheus Pacini.

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