Reconciliando as teorias austríaca e objetivista do valor

A teoria preeminente dentro da teoria austríaca de valor é a escola subjetivista de Mises. Mises defendia que é através de seu subjetivismo que a economia praxeológica se torna uma ciência objetiva. O praxeologista toma valores individuais como dados, e supõe que indivíduos têm motivações diferentes e preferem coisas distintas. Tal fato levado ao fenômeno econômico significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Na verdade, compra e venda ocorrem porque pessoas valoram bens de maneira distinta. A importância dos bens está ligada à importância dos valores que aqueles ajudarão a realizar. Quando uma pessoa valoriza um objeto, ela atribui tal relevância a ele a ponto de justificar o início (ou manutenção) de uma cadeia causal de mudança, tornando-o algo de valor. A economia misesiana não estuda o que está no “objeto”, como o faz o cientista natural, mas sim, o que está no sujeito.

Por outro lado, Menger e Rand concordam que o padrão último de valor é a vida do avaliador, afinal, seres humanos têm necessidades e desejos que lhes são naturais (de sua natureza). Ambos Menger e Rand iniciam sua análise pelo valor último da vida humana, determinando os valores dos quais um homem necessita. Suas abordagens objetivas ao valor defendem que o conceito valor só tem significado relacional a um ente avaliador consciente. Um valor só é um valor para um ser humano existente. A diferença entre eles com respeito ao valor é que Menger estava preocupado exclusivamente com o valor econômico, enquanto Rand estava interessado em todos os tipos de valores. Para Rand, todos os valores humanos são valores morais, essenciais ao padrão ético da natureza humana, em geral, e da vida humana do agente, em particular.

Embora Menger fale do valor econômico enquanto Rand se preocupa com valor moral, suas ideias são essencialmente as mesmas. Ambos veem a vida humana como o valor último. Eles partilham um conceito biocêntrico de valor que afirma que todo valor satisfaz necessidades biológicas. Logo, o valor tem suas raízes na natureza condicional da vida. Você não é imortal, e valores objetivos dão suporte à vida do homem e se originam de uma relação entre um homem e seus requisitos de sobrevivência.

Menger estava preocupado com os muitos valores cuja busca se resume a uma questão econômica. Como tudo que satisfaz uma necessidade humana é um valor, o que satisfaz as necessidades materiais de um homem por alimento, moradia, saúde, riqueza e produção é tido como um valor econômico. As pessoas requerem certo nível de prosperidade frente às suas necessidades, desejos e caprichos.

Rand explica que a ideia de valor entra em cena através do fenômeno da vida, e que a natureza dos valores depende do tipo de vida em questão. Bom e mau são características relacionais objetivas dos seres humanos. Segue que o bem humano está ligado à natureza humana, a qual envolve a vida, a origem do valor, e o livre-arbítrio, o elemento da responsabilidade. Obviamente, um ser humano pode escolher perseguir ou rejeitar a vida. O julgamento moral se preocupa com o que é volitivo. Princípios morais são úteis apenas para seres dotados de consciências conceptuais que podem escolher suas ações.

Do ponto de vista de Ayn Rand, todo valor humano é um valor moral (inclusive, o valor econômico) que é importante para o padrão ético da vida humana. Rand considerava praticamente toda escolha humana como uma escolha moral, envolvendo valores morais. Tanto Rand como Menger defendem um tipo de objetivismo contextual-relacional em suas teorias de valor. Valor é visto como qualidade relacional dependente do sujeito, do objeto e do contexto envolvido. O sujeito, o objeto, e o contexto que se combinam antecedem o valor em si.

Valores passam a existir com o surgimento da vida. Só seres vivos têm valores. Valores são ligados à vida, e valores morais são ligados à vida humana. O valor último é a própria vida. Embora todos os seres vivos persigam valores, apenas os seres humanos defendem esse valor último (a vida) por escolha. A ideia de valor humano pressupõe um agente-avaliador com consciência conceptual. Além de um agente-avaliador para quem uma coisa é um valor, outros pré-requisitos de valor humano é um fim para o qual o valor é um meio, e a vida humana é um fim em si mesmo (por exemplo, um fim último, que não é um meio para outro fim). A condicionalidade da vida (isto é, a alternativa de vida ou morte) torna a ação necessária para a aquisição de valores.

Se uma pessoa escolhe viver, essa escolha implica que ela tentará obter os meios ou satisfazer as necessidades de sua vida. Uma necessidade é uma condição cuja presença aumenta a capacidade de uma pessoa sobreviver ou florescer, ou cuja ausência prejudica tal capacidade. Necessidades surgem da natureza humana, isto é, tem uma base natural. É natural satisfazer as suas necessidades. Na verdade, as necessidades de uma pessoa podem ser vistas como uma ponte entre as ciências naturais (especialmente, a biologia) e as ciências humanas.  Qualquer coisa que satisfaça uma necessidade pode ser considerada um valor. O valor depende das necessidades do homem.

O ato de valorizar (dar valor) é o de descobrir o que mantém, avança e melhora a vida do indivíduo. Valores objetivos respaldam a vida do homem, enquanto valores não objetivos a comprometem. Nós podemos dizer que valores são objetivos quando objetos e ações particulares são bons para uma pessoa específica, e para o seu propósito de realizar um fim particular. O valor objetivo emana da relação entre a consciência conceptual e a existência de um homem. É claro, é possível para uma pessoa valorizar objetos que não são, de fato, valiosos de acordo ao padrão fundamental da vida. Isso se dá porque o homem é falível e pode escolher não usar sua capacidade de ser racional e autointeressado. Menger afirmou corretamente que valores correspondem a um estado objetivo de coisas quando homens valorizam o que eles requerem objetivamente para sobreviverem. O valor é uma relação objetiva entre um homem e um aspecto da realidade. Essa relação não é arbitrária.

Valor objetivo envolve uma conexão entre consciência humana conceptual (isto é, razão) e os fatos da realidade. O valor especifico de uma coisa é função de sua relação com a vida de uma pessoa. Se tal relação, de fato, existe é uma questão de fato. Um valor objetivo verdadeiro deve existir em uma relação pró-vida para com o homem, em total harmonia com a consciência dele.

Valor subjetivo e liberdade (de juízo) de valor são compatíveis com valor objetivo e relevância de valor.

Como vimos, existe um conflito importante entre as teorias de valor “austríacas” Menger e Mises. Contudo, é possível que a “teoria objetiva de valor” de Menger coexista e complemente o subjetivismo puro de Mises, o qual é baseado na inescrutabilidade de valores e preferências individuais. Embora Menger concordasse com Mises que os valores escolhidos por um indivíduo são pessoais e, portanto, subjetivos e desconhecidos ao economista, ele defendia que uma pessoa deve perseguir racionalmente valores objetivos pró-vida. Assim, Menger pode ser visto como uma ponte entre a praxeologia de Mises e a ética objetivista.

De acordo com Mises, a economia é uma ciência de meios (e não de fins), isenta de valores, que descreve, mas não prescreve. Embora o mundo da economia praxeológica, como ciência, possa ser isenta de valor, o mundo humano não o é. A economia é a ciência da ação humana, e as ações humanas estão intimamente ligadas a valores e ética. Segue que a economia praxeológica precisa estar situada dentro do contexto de uma estrutura normativa. A economia praxeológica não conflita com uma perspectiva normativa da vida humana. A economia precisa estar conectada com uma disciplina que lida com objetivos (fins), como o objetivo do florescimento humano. A economia praxeológica pode permanecer isenta de valor se for reconhecido que é moralmente adequado para pessoas participarem no mercado e noutras transações voluntárias. Tal ciência isenta de valores deve ser combinada com um fim apropriado.

Para Mises, a economia é uma ferramenta isenta de valor para avaliação crítica e objetiva. A ciência econômica distingue entre as conclusões interpessoais válidas da praxeologia econômica e os julgamentos de valor pessoais do economista. A avaliação crítica deve ser objetiva, isenta de valor e livre de qualquer viés. É importante para a ciência econômica ser isenta de valor, isto é, não distorcida por julgamentos de valor ou preferências pessoais do economista. A credibilidade da ciência econômica depende da preocupação imparcial e desapaixonada do economista. A liberdade (de juízo) de valor é um dispositivo metodológico cuja função é separar e isolar o trabalho cientifico do economista de suas preferências pessoais: seu objetivo é manter neutralidade e objetividade com respeito aos valores subjetivos dos outros. 

A economia misesiana foca nos aspectos descritivos da ação humana ao oferecer uma reflexão sobre meios e fins. A função da economia praxeológica é a análise lógica do sucesso ou fracasso de meios selecionados para a realização de fins. Meios só têm valor porque, na medida em que, seus fins têm valor.

As razões pelas quais um indivíduo valora o que valora, e a determinação de se suas escolhas e ações são moralmente boas ou más são certamente preocupações significativas, mas não estão no domínio do economista praxeológico. O conteúdo da moral ou dos fins últimos não é o domínio do economista como economista. Existe outro nível de valores que define o valor em termos das preferências corretas. Essa esfera de valor mais objetivista define valor em termos do que um indivíduo deveria preferir.

Só porque Mises expõe uma ciência econômica isenta de valores, não significa que ele acreditava que o comportamento do homem não tinha conteúdo moral. Como o ser humano não é compartimentalizado, valores econômicos e valores morais coexistem na consciência humana, afetando-se entre si e, no mais das vezes, sobrepostos. Cedo ou tarde, alguns valores morais devem ser tratados antes que as proposições da economia praxeológica possam ser usadas nas situações concretas dos homens, e a serviço de seus fins últimos. Segue, então, que teorias de bem moral são compatíveis com a economia austríaca porque existem numa esfera distinta.

Conhecimento obtido via economia praxeologica é tanto isento de valor (neutro) como relevante em valor. Conhecimento isento de valor provido pela ciência econômica é relevante em valor quando oferece informação para discussões, deliberações e determinações racionais do que é moralmente bom. A economia é reconectada com a filosofia, em especial, nos ramos da metafísica e da ética, quando a discussão migra para outra esfera. É justo dizer que a ciência econômica existe porque homens concluíram que o conhecimento objetivo provido pela economia praxeológica é valioso na busca tanto dos valores subjetivos como dos fins últimos (objetivos) das pessoas.

Defender a ideia da “sobrevivência do homem como homem” ou de uma vida boa envolve julgamentos de valor. Para fazer julgamentos de valor, um indivíduo deve aceitar a existência de uma ordem natural compreensível, bem como a existência de princípios absolutos fundamentais no universo. Essa aceitação de nenhuma forma conflita com o conceito misesiano de valor econômico subjetivo. Leis naturais são descobertas, não são relações arbitrárias, mas sim relações que já são verdadeiras. A natureza humana do homem, incluindo seus atributos de individualidade, razão e livre-arbítrio é a fonte final do raciocínio moral. O conceito de valor não tem sentido fora do contexto humano.

A economia praxeológica e a filosofia do florescimento humano são disciplinas complementares e compatíveis. A Economia nos ensina que a cooperação social através do sistema de propriedade privada e divisão do trabalho permite à maioria dos indivíduos prosperar e buscar sua felicidade. Por sua vez, a perspectiva de florescimento humano informa aos homens como agir. Ao fazer seus julgamentos éticos baseados em valores pró-vida, homens podem estudar e empregar os dados da ciência econômica.

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Publicado originalmente em Free Radical.

Traduzido por Matheus Pacini

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