Receber ou não receber auxílios governamentais?

A lei CARES[1] criou um dilema moral para os americanos que valorizam a liberdade. A pandemia custou-lhes seus empregos, suas economias e, às vezes, seus negócios. E esses culpam o governo por grande parte da tragédia. Mas, por se oporem a esmolas do governo, temem que aceitar dinheiro da CARES constituiria uma violação de integridade.

O Ayn Rand Institute se dedica a princípios filosóficos: exatamente por isso, aceitaremos qualquer dinheiro que nos oferecerem. Vamos aceitá-lo abertamente, pois o princípio aqui é a justiça.

Para entender por quê, concentre-se em um fato que muitos parecem determinados a ignorar: o governo não tem riqueza própria. Filantropos particulares, como Jeff Bezos e a Fundação Bill Gates, efetivamente possuem a riqueza que doam sob a forma de caridade. Já o governo, não. O governo não tem fundos próprios: só pode redistribuir a riqueza dos outros. O governo não pode oferecer ajuda, só pode forçar outros a oferecê-la.

O que o governo quer dar, primeiro deve tirar de alguém.

Os US$ 2,3 trilhões em “auxílio emergencial” para algumas pessoas significam US$ 2,3 trilhões, em última análise, retirados das economias do próprio governo e de terceiros. O governo não administra fazendas ou fábricas. Não produz absolutamente nada. Assim, em vez de se ludibriar com a chuva de cheques e dólares, considere os bens e serviços reais em que os fundos governamentais serão gastos.

Ovos, por exemplo. Você pode gastar o dinheiro recém-criado para comprar uma dúzia de ovos, mas o governo não colabora em nada para a oferta de ovos, apenas para a oferta de dólares. O governo não tem galinhas, mas o Bureau of Printing and Engraving do Tesouro tem as impressoras. E o FED tem meios mais sofisticados para inflar a oferta monetária. O efeito desse novo “dinheiro” — criado do nada — entrando na economia será o aumento do preço dos ovos e a perturbação do sistema de preços, responsável por coordenar toda a atividade empresarial.

Se o ARI receber ajuda do governo, consideramos uma restituição parcial por perdas causadas pelo próprio governo.

A Escola Austríaca ensina que a inflação enriquece primeiro quem recebe o novo dinheiro à custa de empobrecer quem recebe depois, após os preços aumentarem. A inflação não é “neutra”: beneficia alguns enquanto vitimiza outros.

Para os defensores da liberdade, dos direitos individuais e do governo limitado, recusar esse auxílio significa escolher fazer o papel de vítima no bizarro jogo do governo de “saquear e ser saqueado”. Adotar a vitimização não demonstra integridade, apenas submissão. Os tempos não exigem deferência tímida, mas autoafirmação confiante.

Seria uma terrível injustiça se os pró-capitalistas dessem um passo atrás, deixando os fundos para aqueles indiferentes ou ativamente hostis ao capitalismo. Foram as políticas anticapitalistas e estatistas que transformaram essa tempestade feita pela natureza em um cataclismo feito em Washington.

O despreparo dos Estados Unidos, a lentidão de nossa resposta e o labirinto bizantino de regulamentos – que agora proíbem a produção e a venda de novos testes e tratamentos – são o trágico legado desse país em um século de queda do capitalismo para o estado regulador de direitos.

Como todos sabem, mas raramente divulgam, o crescimento do poder estatal enreda médicos, companhias farmacêuticas e empresas biomédicas em uma trama cada vez mais sufocante de normas. Suspeitam de cada movimento deles. Os desenvolvedores comerciais de testes não puderam ter acesso antecipado a amostras do novo coronavírus, e o governo foi ineficiente com seus próprios testes. Mesmo os hospitais privados, quando querem aumentar o número de leitos, têm que implorar a permissão de seus senhores no governo.

E agora, vimos o que o estatismo significa para a população em geral: submeter a população à prisão domiciliar.

O governo quer oferecer algum auxílio ao público pelos danos causados por suas próprias ordens, agências reguladoras e imposições executivas. Esse auxílio se resume a emitir moeda recém-impressa, destruir o cálculo econômico e fazer com que seu sustento não dependa de sua capacidade produtiva, mas de suas conexões políticas – de sua proximidade com a torneira de onde jorra o dinheiro novo.

Não é possível conseguir o bem de todos ao roubar de todos e, depois, distribuir o saque entre alguns.

Neste contexto, seria moralmente errado que os pró-capitalistas se afastassem humildemente e vissem o dinheiro novo ir apenas para os anticapitalistas. Isso inverteria o conceito de justiça.

Ayn Rand escreveu um artigo alegando que é adequado aceitar dinheiro público de programas como Previdência Social e seguro-desemprego, com a condição de que o beneficiário “o considere uma restituição e se oponha a todas as políticas de bem-estar social”. Quem sustenta essas esmolas do governo, acrescentou ela, “não tem direito a elas; quem se opõe a elas, têm. Se isso parece um paradoxo, a culpa reside nas contradições morais do Estado de bem-estar social, não em suas vítimas.”

Rand baseou sua posição nesta análise incisiva sobre o estatismo:

Uma vez que não existe o direito de alguns homens de retirar os direitos de outros pelo voto, e não existe o direito do governo de tomar a propriedade de alguns homens para o benefício imerecido de outros, os defensores e apoiadores do estado de bem-estar social são moralmente culpados de roubar seus oponentes, e o fato de o roubo ser legalizado o torna moralmente pior, não melhor. As vítimas não precisam adicionar martírio autoinfligido ao dano causado por outros; não têm que deixar os saqueadores lucrar duplamente, deixando que redistribuam o dinheiro exclusivamente para os parasitas que clamam por ele. Sempre que programas de bem-estar social oferecerem qualquer pequena restituição, as vítimas devem aceitá-la.[2]

O “estímulo” emergencial de US$ 2,3 trilhões será pago extraindo riqueza de todos, inclusive do Ayn Rand Institute e seus patrocinadores, muitos dos quais já foram financeiramente prejudicados. Uma vez que o aumento de impostos não é politicamente viável, o estímulo será bancado por “financiamento deficitário” — um eufemismo para o assalto à poupança de todos.

Nossos patrocinadores podem ter certeza de que esses pagamentos não funcionarão como um suborno, enfraquecendo nossa dedicação ao capitalismo laissez-faire e suavizando nossa denúncia do estatismo. Mas não precisam se preocupar. Nossa razão de ser não é apenas promover o ideal político do capitalismo laissez-faire ou o ideal moral do egoísmo racional. Antes disso, a missão que nos define é promover o sistema filosófico integrado e completo que Ayn Rand criou: o Objetivismo.

Se o ARI receber, ou não, alguma restituição pelos danos sofridos, isso não vai mudar agora.

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Publicado originalmente em New Ideal.

Traduzido por Matheus Pacini.

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[1] Essa lei é americana, mas seria como a soma do auxílio emergencial às pessoas de baixa renda e das linhas de crédito a empresas. Tudo está inserido dentro da mesma lei.

[2] (“The Question of Scholarships”, em The Voice of Reason)

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