Pergunta I – Vale a pena debater religião?

RESPOSTA DE STEPHEN HICKS

Minha resposta é: certamente, vale a pena discutir religião.

Todos nós já ouvimos que, na companhia de amigos, não devemos discutir sexo, política, negócios e religião. Esses temas são muito problemáticos, de tal modo que deveríamos preferir temas mais leves.

Às vezes, obviamente, esses temas são inapropriados. Não se deve entregar cartões de visita em um funeral. Professores não devem seduzir suas alunas. E mesmo se for o dia anterior a uma grande eleição, não devemos fazer discursos de campanha na festa de aniversário de uma criança de quatro anos. 

Não obstante, somos seres humanos. Ser humano é tratar das grandes questões e dos valores cruciais da vida, decidindo quais são nossas prioridades. A reflexão individual é a parte mais importante desse processo. Contudo, debater as grandes questões com os outros pode e deveria ser uma experiência útil de aprendizado. 

Vejo a questão do debate por esse prisma. Suponha que você seja procurado por uma adolescente de 15 anos que o conhece e que confia em você. Talvez você seja um membro da família, um técnico ou conselheiro, um professor ou até mesmo um bom amigo da família. Ela sabe que você é um adulto justo e decente, de tal modo que recorre a você para aconselhamento.

O que eu deveria pensar sobre religião?” – ela pergunta. “Tenho lido e pensado muito sobre isso, e sei que existem muitas respostas – do ateísmo ao agnosticismo, e tantos outros tipos de crença.”

Ela pausa, o que me concede alguns segundos para organizar meus pensamentos. “E eu realmente gostaria de saber a sua opinião”, diz ela.

Como você responde?

É normal sentir certa aversão pelo tema; afinal, é um tema desconfortável, difícil e pode levar a situações desagradáveis.  

Tudo isso pode ser verdade. No entanto, também é verdade que parte da magia do amadurecimento é transmitir a sabedoria obtida arduamente às pessoas que estão apenas começando a sua jornada. Em especial, no caso de pais e professores, inerente à escolha de se tornarem educadores e guias para os mais jovens, está a necessidade de servir de exemplo, preparando-os para os grandes desafios da vida.

Então, na melhor das hipóteses – frente a uma jovem interessada, de cabeça aberta e questionadora que deseja falar seriamente com você – esses são momentos para os quais você deveria se preparar, e pelos quais você deveria esperar ansiosamente.

Nós sabemos como alguns adultos têm lidado com os jovens. Eles doutrinaram seus filhos muito antes, deixando claro em que as crianças deveriam acreditar e até mesmo prejudicando a capacidade natural de reflexão da criança sobre aquelas crenças.

Outros adultos reagem de forma autoritária, dizendo às crianças que questionam que elas não têm capacidade para pensar em tais coisas, devendo confiar e acreditar no que os seus pais dizem.

Outros ainda usam ameaças e coerção efetiva. Eles abusam verbalmente dos questionadores, e suas duras palavras podem ser reforçadas por algum tipo de agressão, confinamento ou ameaças de castigos futuros por desobediência.

Mas alguns adultos – felizmente, uma minoria crescente – debate com seus filhos. Desde a infância, as crianças perguntam porque, como e os adultos maduros exploram esses temas com seus filhos. Eles fazem o seu melhor para apresentar os fatos e explicar as razões de uma forma que as crianças possam entender.

Somente o método argumentativo é legítimo. A doutrinação está fora de questão. Apelos à autoridade nada provam. E responder perguntas com ameaças ou coerção é uma confissão patética de fraqueza intelectual e de maldade.

A verdade sobre a religião – ou qualquer outro tema – pode ser conhecida somente por uma mente que avalia as evidências, julgando-as de forma independente. Com o aumento da complexidade dos temas – isto é, com o aumento do número de evidências que devem ser consideradas e com o aumento no número de possibilidades interpretativas que devem ser avaliadas – a atenção explícita ao argumento e contra-argumento torna-se fundamental. A característica de uma mente responsável, preocupada com a verdade, é o compromisso de seguir o caminho trilhado pelos melhores argumentos.

É frequentemente dito que, antes da idade da razão, deve-se dizer às crianças o que fazer e, além disso, que os seus hábitos físico-cognitivos devem ser formados pela autoridade. A razão pela qual precisam tomar banho ou comer vegetais, ou não atravessar a rua correndo – não podem ser explicadas para uma criança de dois anos. Logo, os adultos devem instruí-las a fazer as coisas certas, desenvolvendo bons hábitos em suas crianças por meio do condicionamento.

Justo, às vezes. Não podemos esquecer, todavia, que o desenvolvimento da capacidade de raciocínio de uma criança começa no nascimento. Dessa forma, os pais também devem ser sensíveis ao que a criança em desenvolvimento pode e não pode compreender. Quando a criança puder entender, então o raciocínio – e não o condicionamento – é apropriado. Simultaneamente, o cultivo do raciocínio da criança lhe permite entender as razões para o condicionamento inicial. Parte do processo de maturidade intelectual consiste em reavaliar por si próprio as crenças e hábitos adquiridos de seus pais.

Tudo isso é especialmente verdade para as questões religiosas. A religião é um tipo de filosofia, com respostas às questões da vida sobre quem somos, de onde viemos, e o que realmente importa.

Responder a essas questões é de vital importância para cada um de nós, e a suficiência das várias respostas religiosas é naturalmente um tema crítico para todos os seres humanos pensantes. Mas a única forma de avaliar sua suficiência é por meio da análise das evidências, da avaliação de se as alegações religiosas estão de acordo com as evidências, e da comparação entre argumentos religiosos concorrentes.

Esse é um trabalho árduo.

Algumas pessoas são dissuadidas pela dificuldade da tarefa, caindo na armadilha da fé fácil ao abraçar quaisquer crenças que lhes foram ensinadas. Mas obviamente um acidente de geografia social não prova ou mesmo torna provável as crenças de um indivíduo.

Outras são dissuadidas pelo medo de que possam descobrir que suas crenças estão erradas. Elas podem ter que admitir erros, e podem ter que mudar sua opinião em prol de uma crença que atualmente consideram repulsiva. Tornam-se, assim, subjetivistas. Mas, obviamente, acreditar em algo porque você deseja que seja verdade ou rejeitar algo porque você não quer que seja verdade – ambas são tipos de antiverdade.

Outras ainda são dissuadidas pela dificuldade social da tarefa. Pensamento independente pode e frequentemente coloca um indivíduo em desacordo com as crenças predominantes, e outros podem tornar a vida desse indivíduo miserável do ponto de vista social ao infringir punições por divergir da multidão. Muitas pessoas acabam consentindo com qualquer coisa em que a maioria das pessoas acredita em seu círculo social. Mas nós somos seres humanos, não ovelhas, e a mentalidade de rebanho é também anti-verdade. 

Provavelmente todos nós já tivemos a experiência de tentar discutir religião de forma racional com alguém e aprendido que isso frequentemente não acaba bem. O problema é que – para usar a metáfora da dança – são necessários dois para dançar o tango, e raras são as ocasiões quando ambos são bons. O raciocínio é um conjunto complexo de habilidades, e raciocinar em conjunto é ainda mais complicado. Frustração ao longo do caminho também deve ser esperada. Mas assim como o tango, quando a técnica é aprendida, os resultados podem ser belos.

Em minha opinião, estamos melhorando a nossa forma de pensar sobre religião, individual e socialmente. Comparando com gerações e séculos passados, mais pessoas agora sabem como pensar. Mais pessoas estão cientes das alternativas. A informação é mais facilmente acessível, e mais fóruns de debate e discussão são hoje utilizados por mais pessoas. Nós estamos crescendo na curva de aprendizagem – com frequência de forma bagunçada, mas para cima de qualquer forma.

Uma nova geração de adolescentes pensantes está surgindo. O que deveríamos dizer a eles, aqueles de nós que já pensaram tanto sobre religião?

Nós apresentamos os argumentos de forma clara, apaixonada e civil. Nós fazemos nosso melhor para avaliar os méritos e deméritos de forma justa. Nós encorajamos os jovens – e qualquer pessoa que ainda está refletindo sobre essas questões – a fazer o mesmo. E, em uma análise final, nós respeitamos sua necessidade de chegar às suas próprias conclusões.

Então, quais são os melhores argumentos em prol e contra a religião?


RESPOSTA DE JOHN C. WRIGHT

Essa é a primeira de oito partes de um debate entre Stephen Hicks e eu, John Wright, cobrindo os principais pontos de desacordo entre o catolicismo e o ateísmo, ou, como eu caracterizaria a questão, a discordância entre a verdade e o vazio. Trataremos brevemente questões que têm desafiado filósofos desde os tempos mais remotos – relativas à realidade, ética, política e história do monoteísmo em geral e do Cristianismo ortodoxo em particular.

Embora eu duvide de que um formato tão truncado permita que mostremos toda força retórica e poder de persuasão, muito menos respondamos as questões de forma definitiva, quanto a mim, espero meramente demonstrar que um colóquio racional e respeitoso é possível na atmosfera venenosa e irracional dessa triste era na qual vivemos.

Portanto, com todo respeito, acredito que a pergunta de início é tola. (Mas as questões mais tolas escondem uma questão mais inteligente em seu âmago, como veremos abaixo).

Perguntar se vale a pena discutir religião é a mesma coisa que perguntar se vale a pena discutir verdade, virtude, beleza e todas as outras coisas reais de importância sublime para a vida humana. Realmente, a questão deveria ser “vale a pena discutir outra coisa além da religião?” ou, melhor ainda, “é ou não verdade que, em última instância, todas as discussões giram em torno da religião?”.

Mas eu não sou um político, de forma que responderei a questão que foi perguntada, como perguntada.

Vale a pena discutir religião porque não temos outra escolha senão considerar tais debates válidas. Qualquer pessoa indisposta a acolher tal debate não está pensando sobre ela, não está disposta a refletir sobre ela. Isso é o mesmo que negar a existência humana, posto que o homem é o animal que raciocina.

E esse é o assunto – e me atrevo a dizer o único assunto – em que é impossível não se ter uma crença. Em todas as outras questões existe, talvez, uma área cinza ou limite de incerteza, um lugar em cima do muro, no qual uma pessoa pode olhar os exércitos inimigos de forma objetiva, totalmente neutra. Não aqui.

Ou uma pessoa é totalmente apaixonada por Deus ou não é. Se uma pessoa é morna sobre o assunto, o próprio Deus a vomitará de Sua boca (Apocalipse 3:16). Muito melhor encontrar um ateu convicto (como eu certa vez fui) disposto a lutar sob a bandeira negra do ceticismo, mundanismo e lógica sem remorsos, pronto para atacar e ser atacado incansavelmente, para desenrolar cada trama do diálogo até sua última matiz, que encontrar um agnóstico insípido e vazio, nem cínico o bastante para ser um cético, nem zeloso o bastante para ser cristão.

Se as duas partes representam respectivamente o amor a Deus e a ausência desse amor, não existe uma terceira força porque não existe uma terceira opção. Um lado marcha sob a bandeira do lábaro; o outro, sob a bandeira negra sem caricatura ou figura que represente tal anarquia mental chamada ceticismo, descrença ou livre-pensamento.

Aquela triste alma que se encontra em cima do muro vê ambos os exércitos, sem vestir nenhuma das armaduras, queira ou não, está na verdade sob a bandeira negra. O exército cristão não reconhecerá nenhuma parte neutra: ou você é nosso aliado, ou você é nosso inimigo. Ou você viverá eternamente na bênção infinita e extasiante do paraíso ou não. E o paraíso não está disponível para aquele que se apresenta nos Portões de Pérola explicando a São Pedro que foi tolerante, de mente aberta sobre a questão de ser loucamente apaixonado, mas que não tomou nenhuma decisão firme.

Novamente, quem diz que a questão de Deus é desnecessária para sua vida, para a verdade, para a beleza, para a virtude, ou para qualquer outra questão profunda sobre a vida ou sobre as grandes questões cotidianas está na mesma posição que um colecionador de moedas que busca um raro e antigo dracma em Londres durante um ataque aéreo repentino, ignorando as bombas caindo ao seu lado direito e esquerdo.

Se Deus não existe, é de suma importância descobrir a verdade desse fato, pois ele altera o resultado de todas as outras questões significativas da vida humana, incluindo o significado, o propósito, o valor, e o destino derradeiro do homem e do cosmos. A questão toca todas as outras questões filosóficas e as inflama; e a filosofia estabelece os limites e o contexto dentro do qual um homem vive sua vida.

Um homem pode escolher pensar, isto é, ser humano, ou pode escolher esquivar-se do dever de pensar, isto é, tentar tirar de seus ombros o fardo glorioso de ser humano; isso significa que ou ele tem uma filosofia pela qual ele vive sua vida e a conhece, ou ele tem uma filosofia e não a conhece, vivendo por preceitos e máximas cuja origem ele não pode imaginar – e cuja justificação, se existe, ele não pode articular – deixando-se levar pela massa de imbecis preguiçosos e indiferentes de seu tempo, repetindo mecanicamente as opiniões populares de seus iguais cujo julgamento ele nunca questiona.

Mas vamos aprofundar essa questão, examinando a seu essência: a questão proposta é, na verdade, composta por duas questões: primeiro, se vale a pena discutir o tópico e, segundo, qual tipo de debate, isto é, se um debate racional do tipo proposto por este site é uma ferramenta propícia para esse tipo particular de quebra-cabeça?

Existem algumas pessoas que, talvez, considerem as questões de fé como místicas ou naturalmente irracionais, localizando-se acima ou abaixo do nível da razão. Eu não sou uma delas.

Eu sou um católico romano, e nenhuma de minhas respostas aqui ou em qualquer outro lugar serve para homens de outras denominações ou convicções religiosas. Nós defendemos, em primeiro lugar, que todo o homem deve estar pronto para dar uma resposta armado da esperança que existe dentro de si, isto é, todo o cristão deve estar pronto para responder qualquer questão honesta de céticos honestos sobre as coisas surpreendentes e chocantes nas quais acreditamos. E qualquer cristão que não pensa que a doutrina cristã é chocante ainda não sentiu a tensão viva que é o amor do paraíso. Deste modo, demanda-se que o cristão fiel argumente e debata a questão quando honestamente chamado a fazê-lo. (Quando o chamado é desonesto, é claro, ele é proibido de atirar pérolas aos porcos, já que os porcos não podem ver seu valor e meramente o ignorarão, tentando prejudicá-lo).

Em segundo lugar, nós defendemos, como um dogma de fé (está escrito em nosso catecismo, veja pág. 35) que qualquer homem que procura Deus descobre certas formas de vir a conhecê-Lo. Tanto o cosmos, como a natureza humana testemunham a existência de Deus. Por isso, como uma questão de fé, nós defendemos que a razão permite ao homem reconhecer que o monoteísmo por si só é uma teoria racional.

Seguem as palavras do Catecismo:

As faculdades do homem tornam-no capaz de conhecer a existência de um Deus pessoal. Mas, para que o homem possa entrar na sua intimidade, Deus quis revelar-Se ao homem e dar-lhe a graça de poder receber com fé esta revelação. Todavia, as provas da existência de Deus podem dispor para a fé e ajudar a perceber que a fé não se opõe à razão humana[1].

Por essa razão, a resposta para nossa questão inicial é deveras delicada. Vale a pena discutir a questão dependendo de qual for o motivo específico da discussão. A razão pode levar um indivíduo, passo a passo, até o monoteísmo, como o fez no caso de filósofos pagãos como Platão, Aristóteles e Epíteto: mas ela não consegue levá-lo até Cristo.[2]

Se a discussão diz respeito a ser loucamente apaixonado por Deus, obviamente, ninguém pode debater o fato de se apaixonar. O amor é uma loucura, uma loucura divina.

Mas muitos homens são relutantes, cautelosos ou revoltados com a ideia de estar apaixonados por Deus: consideram a questão desprezível, e falar de amor tão absurdo quanto falar do Papai Noel ou do Coelho da Páscoa, ou algum outro personagem fictício; ou são repelidos pelas histórias que ouviram sobre Deus; ou estão irritados ou se sentem muito ofendidos pelas demandas feitas a sua dignidade e liberdade humanas.

Um indivíduo não pode usar a razão para convencer um homem a se apaixonar. Mas um indivíduo pode usar a razão para corrigir erros que evitam que a paixão se arraigue. A razão pode permitir que um indivíduo veja que é racional apaixonar-se.

Frente ao exposto, para o teísta, a razão é somente um escudo, não uma espada. Nenhuma palavra que eu disser pode garantir a fé. Esse é uma dádiva do espírito.

Todavia, falácias, tolices, medos, absurdidades e objeções factuais irracionais as quais extirpam ou previnem a fé podem ser dissipadas através de uma análise racional.

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Publicado originalmente em Every Joe

Traduzido por Matheus Pacini

Revisado por Matheus Bernardino

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[1] (Versão original do Catecismo (II:35)

[2] A título de esclarecimento, o autor afirma que a razão sozinha não pode levar até Cristo, e que seria necessária a fé.

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