Os limites da livre imigração

Quando eu imigrei para os Estados Unidos, a experiência não foi bem um pesadelo, mas uma série de sonhos ruins.

Eu era do amistoso vizinho Canadá. Eu tinha um Ph.D. e uma oferta de trabalho de uma universidade norte-americana. No entanto, o processo – que se alastrou por muitos anos – foi repleto de frustrações e indignidades à medida que preenchia dezenas de formulários, esperava em filas, e seguia as instruções de oficiais de imigração desmotivados, condescendentes, mal informados e, às vezes, puramente mal-educados.

Eu simpatizo com os aspirantes ao green card. E, às vezes, penso como teria sido o meu processo caso eu não tivesse formação superior, não falasse inglês ou não tivesse um sobrenome de origem anglo-saxã ou mesmo fosse de cor parda.

(Para ser justo, eu também lidei com alguns poucos funcionários da imigração que eram competentes e respeitosos, e minha cerimônia de cidadania foi um grande prazer).

Mas as questões de imigração com as quais deparamos agora não tratam per se da morosidade / complexidade do processo imigratório, mas o que seria, de fato, uma política racional de imigração.

As linhas gerais de tal política deveriam ser claras. Se o objetivo é uma sociedade livre, então ambas as instituições formais – incluindo governos – protejam os direitos individuais e uma cultura mais ampla e aberta a novas pessoas, ideias, produtos e serviços.

Então, as sociedades livres desenvolvem instituições de livre intercâmbio, por exemplo, mercados, para aqueles que desejam comercializar voluntariamente entre si, e elas desenvolvem instituições de compulsão, por exemplo, governos, contra aqueles que desejam violar os direitos de outrem.

Às vezes, estas duas instituições estão em tensão entre si. No caso da imigração, nosso impulso à abertura nos convida a abraçar a livre imigração, enquanto nosso impulso à proteção de direitos nos impulsiona a erigir barreiras contra aqueles que podem representam uma ameaça.

Neste ano, estamos preocupados com os sírios. No passado recente, os mexicanos. Antes disso, os paquistaneses. E antes deles, irlandeses, italianos, alemães e chineses. Contudo, apesar dos detalhes particulares de cada caso, deveríamos nos manter firmes aos princípios gerais de uma sociedade livre ao lidarmos com eles.

Um dos princípios é de que deveríamos limitar a imigração somente daqueles que sejam ameaças objetivas à vida, à liberdade ou aos direitos de propriedade de nossos cidadãos. Isso inclui, por exemplo, i) pessoas com doenças transmissíveis (cólera, por exemplo), ii) pessoas que se filiaram a organizações comprometidas com a prática de ideologias violentas, iii) pessoas que são parte de algum grupo criminal, iv) pessoas cujo histórico denuncia quaisquer tipos de violação de direitos de membros de sua própria família ou v) pessoas com fichas criminais em seu país de origem por comportamento que também é considerado criminoso aqui.

Outro princípio relacionado é o de que a sociedade livre é individualista, e trata os seres humanos de acordo com suas qualidades individuais – não como membros não diferenciados de um coletivo – não importando se aquele agrupamento é racial, nacional, religioso, ético ou sexual.

Uma sociedade livre também presume a inocência dos indivíduos, de forma que somente negará a entrada se tiver prova suficiente para fazê-lo.

Os princípios supracitados colocam toda a responsabilidade nas costas das autoridades imigratórias – tratar os candidatos à cidadania como indivíduos aceitáveis ao menos que exista evidência concreta que indique o contrário.

Ainda assim, tal política liberal de imigração também torna as sociedades livres vulneráveis a dois grandes e persistentes temores:

Temor # 1: nós deixaremos entrar muitos criminosos e terroristas.

É claro que esse é um risco. Mas é para isso que servem as forças policiais. Todos os tipos de pessoas que estão dentro dos limites de uma nação podem ser criminosos potenciais – cidadãos, turistas, empresários, diplomatas, estudantes intercambistas e recém-imigrados. Assim, ausente evidência anterior de probabilidade de um imigrante ser criminoso, sua presença, uma vez admitida, deveria ser tratada como uma questão policial interna. E, felizmente, como os professores Ramiro Martinez e Matthew Lee têm argumentado, “a maioria dos estudos empíricos conduzidos ao longo do século passado concluíram que os imigrantes são normalmente sub-representados nas estatísticas criminais”.

No que diz respeito a terroristas potenciais que passam pela imigração, eles deveriam ser tratados como mais um grupo de risco a ser monitorado pela polícia – junto com os neonazistas, os socialistas revolucionários, os ecofascistas e dezenas de outros grupos que estão comprometidos com ideologias antiliberais e que têm se organizado para usar a força contra instituições liberais. O terrorismo doméstico não é primariamente uma questão de imigração, mas sim de polícia.

Temor # 2: eles não assimilarão nossa cultura, preferindo infectá-la.

Aqui, o ponto importante é recordar que uma sociedade livre faz seu trabalho cultural de forma voluntária, não por meio do governo, o qual é uma instituição de força / compulsão. Não cabe ao governo administrar a cultura, encorajando ou desencorajando a assimilação ou ao decidir quais valores – além do respeito pelos direitos individuais – contam como saudáveis ou infecciosos. Esse é o nosso trabalho.

É de nosso interesse – como membros de uma sociedade que aspira ser livre – criar, manter, e tornar atrativos os traços culturais de uma sociedade livre. É de nossa responsabilidade a arte, os negócios, a filosofia e a religião, o ensino e a criação de famílias – e a criação de instituições da sociedade civil que promovam valores saudáveis e o debate respeitoso sobre quais valores são, de fato, saudáveis.

Mas se não tivermos confiança em nossa habilidade para tornar uma sociedade livre atraente para as pessoas que para cá desejam imigrar, então, qual é o propósito de uma sociedade livre?

Assim como separamos governo e religião, deveríamos separar governo e arte, governo e negócios, governo e amor (relacionamentos) – isto é, governo e cultura de modo geral. Os governos deveriam ter poderes muito delimitados: o uso da força para proteção de direitos. O resto depende de nós fazermos acontecer voluntariamente.

Tudo isso se aplica ao caso atual do Islã que, em algumas de suas manifestações, é hoje a mais nociva das religiões do mundo. Mas se o Islã é verdadeiro ou não – se as práticas dos membros das famílias é ideal – se os muçulmanos são mais propícios ou não à assimilação – se algumas das muitas variedades do Islã são mais ou menos abertas à filosofia do Iluminismo, e assim por diante – todas essas questões, exceto àquelas que envolvem violações aos direitos individuais – são as que devemos tratar por meio da cultura, e não por meio de instituições governamentais de compulsão tais como políticas imigratórias.

Aqui, eu recomendo o artigo de Elahe Izadi sobre como Jefferson e alguns dos outros pais fundadores defenderam os direitos dos muçulmanos. E, felizmente, pesquisas recentes tendem a mostrar que os muçulmanos são mais propensos a se autoidentificarem como norte-americanos primeiro, posteriormente, apoiando a tolerância.

Então, em minha opinião, os limites da livre imigração são mínimos. Eles são esboçados acima como princípios orientadores e requerem julgamento detalhado e discricionário quando aplicados à prática.

Contudo, conquanto minhas políticas geralmente abertas alienam aqueles que defendem o fechamento das fronteiras a vários grupos de imigrantes, elas deveriam também alienar alguns que desejam calar sobre a política de imigração por completo.

Então, permita-me destacar um último ponto com referência à separação de economia e política. A economia nos ensina que o livre comércio através de fronteiras políticas é mutualmente benéfica, e eu concordo com o ponto de Jeffrey Tucker de que a Europa do Acordo de Schengen, por exemplo, é um modelo de como diferentes unidades políticas nacionais podem impulsionar a abertura econômica.

Mas o respeito pela separação é recíproco. É igualmente importante reconhecer a necessidade política de se ter uma variedade de nações com governos distintos habilitados a proteger os direitos dos cidadãos. Nenhum governo mundial ou anarquia é uma opção que respeita direitos. Em vez disso, a existência de muitas nações é desejável de forma que se as coisas derem errado em uma, outras são uma opção de fuga.

Assim como a possiblidade de emigrar para os Estados Unidos e outros países livres tem sido historicamente de importância de vida ou morte para pessoas em países que não deram certo – a existência de outras nações livres para as quais fugir é um tipo de seguro caso os Estados Unidos deem errado.

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Tradução de Matheus Pacini

Publicado originalmente em Every Joe

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