O que Rand quis dizer com “altruísmo”?

O dia 2 de fevereiro marca o nascimento de uma das pensadoras mais comentadas do último século – Ayn Rand.

Rand vendeu mais de 30 milhões de exemplares de seus livros. A revolta de Atlas foi eleita a segunda obra mais influente dos Estados Unidos, atrás apenas da Bíblia. Rand foi atacada duramente por diversos motivos, entre eles o seu ateísmo. No entanto, talvez tenha sido a sua rejeição total ao altruísmo a questão em que foi menos compreendida. Nesse dia, é prudente reconsiderar esse ponto.

O altruísmo é amplamente aceito como o padrão mais elevado de comportamento moral. Rand, por sua vez, rejeitava-o por ser incompatível com liberdade, capitalismo e direitos individuais, sendo “o mal por trás dos piores fenômenos atuais”.

Esse debate filosófico surge quando o francês Auguste Comte cria o termo altruísmo que, conforme o site altruists.org, resumia a sua crença de que “os únicos atos verdadeiramente morais eram os que buscavam promover a felicidade de outros”. No Catecismo positivista, fica implícito que o altruísmo “sanciona diretamente nossos instintos de benevolência”, e, portanto “não pode tolerar a noção de direitos, pois ela é parte integral do individualismo”.

Para Comte, qualquer ato realizado por qualquer razão que não seja o bem-estar do próximo não é moralmente justificável. Por exemplo, fazer uma doação com abatimento no IR elimina seu valor moral. O mesmo acontece se a doação for motivada pela crença de que “tudo que vai, volta”. Algo tão inocente como sentir prazer em fazer o bem é condenável pelos padrões positivistas. Até mesmo “amar o próximo como a si mesmo” não é moralmente justificável em sua definição de altruísmo. Conforme George H. Smith resumiu, deve-se “amar o próximo mais do que a si mesmo”.

As críticas de Rand ao altruísmo atacam essa definição comtiana. No entanto, o uso moderno do termo altruísmo perdeu muito de sua força, sendo hoje mero sinônimo de generosidade, o que faz com que os ataques de Rand ao altruísmo sejam frequentemente equiparados com ataques frontais à generosidade, e esse é um grande equívoco. Nas palavras de Roderick Long:

“… mesmo sendo um pouco complexa, sua retórica sobre a “virtude do egoísmo” […] não defendia a busca do autointeresse à custa dos outros […] Rand rejeitava não apenas a subordinação do seu interesse aos interesses dos outros (e é isso, em vez da mera benevolência, que Rand chamou de “altruísmo”), mas também a subordinação do interesse dos outros aos seus.”

Rand rejeitava veementemente o altruísmo comtiano por sua exigência de abnegação total, já que isso era incompatível com o próprio bem de qualquer indivíduo. Rand se opunha totalmente a essa invalidação do significado de indivíduo.

O princípio básico do altruísmo é o de que o homem não tem direito de ser um fim em si mesmo, que sua existência só se justifica no serviço ao próximo, e que o autossacrifício representa o mais alto nível de dever, virtude e valor moral.

“A virtude do egoísmo” foi a resposta de Rand à exigência de abnegação total de Comte. Além de exigir que as pessoas desprezem a si mesmas por um ideal inatingível, o altruísmo comtiano é claramente contraditório: você não pode se sacrificar completamente por mim ao mesmo tempo em que me sacrifico completamente por você. E se ninguém possui valores objetivos e pessoais, que mérito haveria nisso tudo? Rand afirma que dar mais atenção ao seu próprio bem-estar – mais egoísmo – é a única forma de reconhecer o valor verdadeiro de cada indivíduo e de sua vida.

O conceito de Comte também é incompatível com a liberdade, que era o foco de Rand. O dever de colocar os outros em primeiro lugar nega a autopropriedade – e o poder de escolha que deriva dela. Todo mundo faz reivindicações ilimitadas sobre todo mundo, sobrepondo quaisquer direitos que possam ter como indivíduos. Em contraste, benevolência envolve a decisão própria e voluntária do indivíduo de beneficiar os outros.

É por isso que Rand fez críticas à equiparação de altruísmo com benevolência. O ponto-chave é a diferença entre o critério individual de benevolência (que reconhece nossos direitos sobre nós mesmos e nossos recursos) e a exigência incondicional do altruísmo de se sacrificar pelos outros.

O dever onipresente do autossacrifício também torna as pessoas vulneráveis à manipulação dos que consideram o poder sobre os outros um meio “justo” para atingir algum objetivo nobre. O desejo de sacrifício pelos outros pode ser transformado facilmente em um pedido de sacrifício pelos líderes políticos do momento. Rand expressou:

Aqueles que dizem primeiro “é egoísmo buscar seus próprios desejos, você deve sacrificá-los aos desejos dos outros” terminam dizendo “é egoísta defender suas convicções, você deve sacrificá-las às convicções dos outros.”

A chave aqui é a crítica de Rand à noção de “dever”:

Quando A precisa de algo na opinião de B, e C, que pode fazer alguma coisa a respeito, se recusa […] C é ridicularizado como “egoísta” por não apoiar a causa de B. O falso silogismo é que “C não está cumprindo seu dever aqui. Então, C deve ser obrigado a cumpri-lo.” […] Esse silogismo é uma ameaça, como um porrete nas mãos dos que desejam fazer o “bem” usando os recursos de outra pessoa, e consideram a coerção um mecanismo aceitável para tal.

Para Rand, a visão comtiana de altruísmo é logicamente impossível, sem vida e contra a liberdade, tendo imposto danos gigantescos a um grande número de pessoas; Logo, não é um guia digno para a moralidade. Ressalto que Rand não critica a benevolência voluntária, e é por isso que devemos prestar atenção às suas objeções ao altruísmo, que hoje é o termo que erroneamente usamos para classificar os atos de generosidade baseados em escolhas individuais voluntárias.

Rand nos lembra da importância da proteção contra a ameaça potencial de coerção por trás de toda exigência altruísta imposta sobre nós. Essa defesa se baseia na proteção dos direitos individuais. Quando isso é tratado como fundamental, meu poder de escolha sobre a minha vida e propriedade – inclusive quando minha conclusão é: “eu poderia contribuir para a causa X, mas escolho não fazê-lo” – é aceito como legítimo. Assim, rejeitaríamos prontamente a ideia de que “a não ser que o ato envolva autossacrifício, não possui nenhum significado moral”.

A liberdade só pode ser mantida sem a violação coerciva dos direitos. Arranjos voluntários dos indivíduos, incluindo atos de caridade, criam um mundo muito melhor do que a opção comtiana.

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Originalmente publicado em FEE.

Traduzido por Gabriel Poersch.

Revisado por Matheus Pacini.

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