“Howard Roark riu” – uma das passagens mais marcantes de “A nascente”.

ENSAIO VENCEDOR DO CONCURSO SOBRE “A NASCENTE” DE 2018, PROMOVIDO PELO AYN RAND INSTITUTE.

Escolha a cena em A nascente que é mais significativa para você. Analise-a em termos dos temas mais amplos do livro.

“Howard Roark riu.” (1)

Pode-se considerar toda a ficção de Ayn Rand como uma explicação das três primeiras palavras de A nascente. A imagem de Roark, representada na beira do penhasco, deve ser considerada a mais importante e significativa da obra. Essa frase curta e abrupta (1) desafia o leitor e exige elaboração. Isso levanta uma questão que paira sobre a obra: Por que Roark ri? No entanto, apesar da simplicidade da pergunta, as causas e razões disso estão nas raízes da trama e essência dos personagens do romance, englobando os valores e ideais de toda a filosofia objetivista.

Tão logo entendemos como Howard Roark pode rir de pé sobre o precipício de granito com sua vida aparentemente fora de esquadro, é possível finalmente entender o poder do indivíduo. Para contextualizar a cena, Howard Roark acaba de ser expulso da Escola de Arquitetura do Instituto de Tecnologia de Stanton. Nos Estados Unidos de A nascente, obter um diploma é o primeiro passo para o “sucesso” na sociedade.

Esse dito sucesso seria a conquista de um emprego bem-remunerado, do respeito de seus pares e do prestígio no local de trabalho: o verniz de realização que Keating incorporará à medida que a trama avança. Por causa de sua expulsão, Roark não tem aprovação social e é rejeitado por seus superiores. Mas ele não foi expulso por motivo de criminalidade ou estupidez; pelo contrário, foi expulso pelo fato de o seu próprio ego ser contrário aos valores e “desejos” da sociedade.

Isso fica evidente à luz da conversa entre o reitor e Roark: enquanto o reitor mantém a fachada da expulsão por questões de ensino, a verdadeira motivação é mais profunda e reside em questões de moralidade e individualidade. Não foi por causa de desenhos que Roark foi expulso, mas pelo que eles representam: sua profunda rejeição à “tradição” (13).

O fato de Roark não querer se envolver com as obras de arquitetos anteriores indica sua oposição a todos os elementos do coletivismo. Ele não se sujeita aos desenhos e estilos do passado, mas trilha seu próprio caminho tanto no papel como na vida. Enquanto os outros membros da universidade condicionam seus objetivos artísticos dentro dos paradigmas do passado, Roark baseia-se apenas em sua própria visão para criar seus edifícios.

Para entender Roark, é vital entender seus projetos não como uma simples criação, mas como uma extensão dele próprio. Rand escreveu extensivamente sobre a relação entre o artista e sua criação, argumentando que qualquer verdadeira obra de arte para o artista é uma “confirmação de sua visão da existência”.

Rand concebe a arte como uma materialização dos valores internos da mente. Logo, a expulsão não deve ser considerada apenas como uma questão de desacordo estético, mas, em vez disso, como uma metáfora para a resposta de uma sociedade coletivista ao indivíduo. Quando Roark exibe as tradições, códigos e sistemas que sustentam uma sociedade coletivista, a sociedade revida tentando destruí-lo.

Assim, quando o leitor encontra a figura de Roark, encontra um homem que não foi simplesmente removido de um local de aprendizagem, mas um homem que foi fundamentalmente rejeitado por sua sociedade. No entanto, a resposta de Roark não é implorar, chorar ou lamentar. Em vez disso, ele ri. Roark ri do absoluto absurdo de sua sociedade e, principalmente, de como uma ação como a expulsão poderia ser ineficaz contra um verdadeiro indivíduo. Em seu discurso principal no tribunal, Roark examinará a disparidade de motivos entre o “parasita” e o “indivíduo” (712).

Enquanto o “objetivo principal do indivíduo está dentro de si mesmo” (713), o parasita ou maria-vai-com-as-outras deve viver uma vida em que é simultaneamente dependente e subjugado pelos outros. Com isso em mente, não é de se admirar que, na cultura em que Roark existe – uma cultura de pensamento coletivista e altruísta – a expulsão fosse considerada uma punição severa.

Ser expulso da universidade é ser rejeitado pelo coletivo e, como tal, o “parasita” perde sua fonte de valor interior. Esta é a razão pela qual a Sra. Keating reage com tal “espanto” (8) ao que, para ela, seria uma atitude incoerente de Roark em relação à punição; o valor dela depende da aprovação dos outros, e ter consciência de que Roark tem outra fonte de valor causa estranheza para ela.

No entanto, Roark pode rir da situação, já que seus valores fundamentais residem dentro dele mesmo. Sua atitude intransigente para com os outros é um reflexo de sua autoconfiança interior: como indivíduo, ele não tem razão para colocar sua vontade no ego do outro, mas pode descansar com confiança em sua própria visão artística. Naturalmente, portanto, a resposta de Roark à expulsão é uma indiferença benignamente divertida, pois ser expulso da comunidade não é nada para Roark além da quebra de grilhões – um sentimento que se reflete na resposta de Roark à oferta do reitor: “Eu não voltarei. Não tenho mais nada a aprender aqui.” (10)

Da mesma forma, quando vemos a expulsão de Roark como uma metáfora para as constantes tentativas da sociedade de corromper e destruir o indivíduo, a risada de Roark demonstra a mesma verdade eterna de que John Galt falava em A revolta de Atlas: ‘O mal é impotente, e só tem o poder que concedemos a ele.” Em sua risada, Roark é capaz de tornar a sociedade impotente. Seu riso é uma forma de reconhecimento de que, em última análise, é apenas o ego, apenas o eu,que merece atenção; o reconhecimento de que “um homem verdadeiramente egoísta não pode ser afetado pela aprovação dos outros”. (658).

A risada de Roark desmonta todo o sistema de controle de que depende uma sociedade altruísta. Como Toohey explicará mais tarde, o poder do pensamento coletivista está em ofuscar o pensamento individual através de sofismas abstratos e conceitos como “‘Harmonia Universal’ – ‘Espírito Eterno’ – ‘Propósito Divino’ – ‘Nirvana’ – ‘Paraíso’ – ‘Supremacia Racial’ – ‘Ditadura do Proletariado’”(666) acima das necessidades e interesses do indivíduo.

O ato de visitar o lago sozinho e de contemplar o mundo simplesmente como ele é faz desaparecer as concepções humanas que escondem a verdade da supremacia individual. Nesse sentido, tanto o homem quanto a natureza são considerados por Roark em seu estado puro, livre das imposições do pensamento coletivista. Dominique comentará mais tarde que “a coisa mais difícil de explicar é o claramente evidente que todos decidiram não ver” (521), e é exatamente esse problema que Rand é capaz de resolver nesta cena de abertura.

A verdade última de nossa existência é que cada indivíduo tem um valor incomensurável independente dos outros. Ao eliminar todos os outros elementos da existência até que reste apenas Roark na beira do penhasco, Rand torna possível que o claramente evidente seja o único foco do pensamento do leitor. Nesse sentido, o riso de Roark remove as armadilhas do pensamento altruísta e o reduz a uma figura singular em meio a um mundo construído para ele.

Sua nudez é um símbolo da remoção de todas as restrições sociais, conformidades e tradições, e evidencia a figura singular de um indivíduo em união com o mundo ao seu redor. Basta ter a vida e o conhecimento sobre como vivê-la. Com essas ferramentas, o mundo inteiro, para Roark, se torna “granito para ser cortado”, “madeira para ser rachada” e “ferrugem para ser raspada” (4). Entretanto, é verdade que as ideias sobre altruísmo, individualidade e sociedade estão presentes ao longo da obra de Rand, recebendo atenção e descrição mais objetiva em outras cenas.

No entanto, essas cenas e passagens carecem de um elemento mais etéreo, um elemento de criação artística que coloca essa primeira cena acima de todas as outras. Esta cena é capaz de atingir essa primazia na obra devido ao seu reflexo estético da filosofia de Rand. A cena não exige que seja detalhada a passagem exata do pensamento de Roark; não há necessidade de fornecer uma explicação minuciosa de sua risada, mas sim deixá-lo ficar sozinho no topo do penhasco e simplesmente agir.

A passagem em si incorpora os valores e objetivos do individualismo que a filosofia de Rand representa: puro individualismo. A cena imediatamente dá o tom da obra e convida a mente do leitor a se colocar na mesma beira do penhasco, na mesma situação de Roark, e refletir sobre a sua resposta. Rand definiu a literatura como a “recriação seletiva da realidade” e, nesta frase de abertura, ela é capaz de colocar o leitor em uma realidade em que o indivíduo tem seu merecido predomínio.

Fundamentalmente, A nascente é um tratado que demonstra que o intransigente é o invencível. Há um significado escrito em cada uma das muitas cenas da obra, mas é na frase de abertura do romance que Rand é capaz de captar o ethos individualista tanto no nível moral como estético em apenas três palavras.

Usando a expulsão de Roark para representar a natureza insidiosa do coletivo, Rand em uma única risada é capaz de demonstrar a vontade invencível do indivíduo. A vontade, o impulso e a mentalidade que levam Roark a rir do precipício, permanece tão constante quanto o granito no qual ele se apoia durante toda a obra. Como tal, não é de admirar que A nascente seja, de fato, cíclica; a primeira e a última frase da obra terminando com a mesma imagem: a de Roark sozinho entre os elementos da natureza.

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Publicado originalmente em Ayn Rand Institute.

Traduzido por Hellen Rose.

Revisado por Matheus Pacini.

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