Discurso de abertura da I Ayn Rand Conference Brasil

Senhoras e senhores, bom dia.

É com enorme satisfação que dou por aberta a I Ayn Rand Conference Brasil.

Evento inédito, fato que, se por um lado nos deixa intrigados, por outro, reforça nossas convicções de que estamos finalmente avançando para mudar a mentalidade coletivista estatista e supersticiosa que aflige o Brasil.

Ayn Rand dizia na obra The Romantic Manifesto que “qualquer um que luta pelo futuro, vive nele hoje.” Nós, do Instituto Liberdade, começamos a viver o dia de hoje em 1986, quando, sob a liderança de Winston Ling, iniciávamos a luta por um futuro onde a sociedade brasileira pudesse experimentar dias melhores do que aqueles que vivíamos então.

Muitos que estão aqui não se lembram daquela época ou nem mesmo eram nascidos. Tentarei relembrar alguns fatos.

Em 1984, os militares desistiram de governar o Brasil.

Em 15 de janeiro de 1985, em eleição indireta, um colégio eleitoral elege Tancredo Neves para suceder o Gal. João Figueiredo.

Em 14 de março do mesmo ano, na véspera da posse, Tancredo Neves adoece e é internado. Seu vice-presidente, José Sarney, assume temporariamente.
Dias depois, Tancredo Neves morre e José Sarney torna-se, definitivamente, presidente da República.

Embora prometido para 1966, finalmente a presidência da República voltava para as mãos de um civil, encerrando duas décadas de ditadura militar. A expectativa geral era de que, daí em diante, a nação brasileira retornaria à normalidade institucional, reinstaurando o processo democrático. No entanto, o que se viu foi a inauguração de uma sucessão de governos populistas e demagógicos que, com uma série de medidas intervencionistas autoritárias, agravaram os desequilíbrios deixados pelos governos militares.

Em 1986, com a alegação de conter a hiperinflação, o governo Sarney lança o chamado Plano Cruzado, o primeiro de uma série de pacotes econômicos intervencionistas que insistiam em atacar apenas as consequências dos problemas que o próprio governo criava.

Na época, a sociedade brasileira estava dividida, embora a maioria apoiasse o Plano Cruzado, crendo que, como por milagre, todos os problemas se resolveriam. Poucos tinham consciência da ineficácia e irracionalidade das ações econômicas liberticidas e catastróficas que estavam sendo implementadas, supostamente, para o desenvolvimento do país. Até mesmo as vítimas da intervenção estatal achavam moral sacrificar seus próprios interesses para atender as demandas do governo imaginando que, assim, contribuíam para o bem comum. Agiam como bem descrevia Ayn Rand, como vítimas sancionando seus algozes.

Lembro de ter participado de reuniões com líderes de associações de classe, com professores de economia na faculdade, além de debates em rádio e TV, e ficava pasmo quando tentava, sem sucesso, demonstrar que as iniciativas do governo contrariavam a lógica do mercado e ignoravam os fundamentos mais elementares da ciência econômica.

Ter conhecimento das ideias de pensadores liberais como Milton Friedman, Friedrich Hayek, Ludwig von Mises, cujos livros recém tinham sido publicados no Brasil – mas que já estudávamos em profundidade no IEE, Instituto de Estudos Empresariais, instituição fundada por William Ling – ajudava muito na elaboração dos argumentos, mas sempre parecia sempre faltar um algo a mais para fundamentar nossas posições.

A economia continuava indo de mal a pior, e as sucessivas intervenções governamentais coercivas apenas agravavam os problemas. Congelamentos de preços; trocas sucessivas de moedas; deságios na conversão da moeda antiga pela nova; corte de zeros no valor nominal do dinheiro; prisão de empresários acusados de aumentar preços ilegalmente ou de esconder estoques de produtos; desabastecimento e escassez; propriedades rurais e frigoríficos sendo invadidos por policiais para confiscar mercadorias nos armazéns ou gado nos pastos; lojas e supermercados fechados por órgãos de fiscalização e seus gerentes sendo destratados publicamente e processados, populares sendo instigados a agirem como fiscais do governo; empresas em falência; desemprego crescente, insegurança jurídica e instabilidade econômica; quanto mais o governo regulava, mais caótica a economia ficava.

Atenção senhores, eu estou falando do Brasil, não da Venezuela.

Na medida em que o governo endurecia e os resultados não apareciam, os empresários começavam a tomar consciência de que os planos governamentais mais prejudicavam do que ajudavam a economia. Sentindo-se acuados pela coerção estatal, reuniam-se para tentar entender o que estava acontecendo com a política e a economia do país. Queriam saber que perspectivas seus negócios tinham frente ao caos criado pelo governo. O governo agia sem limites. Os direitos individuais dos brasileiros estavam sendo claramente violados. As leis que implantavam as medidas econômicas pervertiam qualquer noção de estado de direito. Normas complexas, incompreensíveis, inexequíveis e retroativas que desprezavam contratos particulares eram decretadas a todo momento. Planos econômicos eram impostos como se a sociedade fosse um laboratório experimental e os agentes econômicos meras cobaias de planos heterodoxos.

As análises abordavam as questões econômicas com ênfase nos seus aspectos técnicos. Sim, tratar das consequências econômicas da intervenção governamental era urgente e necessário, mas não era suficiente.

Em nenhum momento, a sociedade brasileira questionava se essas ações eram morais, se a ética sobre a qual eram erigidas estava correta. O povo aplaudia a coerção sobre pessoas inocentes e o simples ato de empreender poderia se tornar um crime. O descalabro promovido pelo governo agravou tanto a situação econômica da sociedade brasileira que aquele período histórico [década de 1980] foi chamado de “a década perdida”.

Enquanto o Brasil insistia em sua economia mista, com forte intervenção estatal, o resto do mundo seguia o caminho inverso. Nos Estados Unidos, o presidente Ronald Reagan iniciava seu programa de desregulamentação; na Inglaterra, a primeira-ministra Margareth Thatcher desregulava a economia, privatizava empresas estatais, reduzia impostos e enfrentava os sindicatos; até na China, Deng Xiaoping, secretário do Partido Comunista Chinês, desenvolvia planos para a abertura do mercado com a liberalização da economia e privatização de empresas estatais.

Em fevereiro de 1987, os brasileiros elegem os deputados e senadores para o Congresso Nacional. A cargo deles estaria a tarefa de reescrever uma nova Constituição para o Brasil.

Naquele mesmo ano, tomei conhecimento de um livro que recém havia sido lançado em português por iniciativa de Donald Steward Jr, fundador e presidente do Instituto Liberal do Rio de Janeiro, instituição da qual o Instituto Liberdade, chamado à época de Instituto Liberal do Rio Grande do Sul, se originou. Essa obra literária descrevia uma sociedade em decadência que se aproximava velozmente do colapso. Empresários, cientistas, engenheiros, médicos, artistas e intelectuais de valor desapareciam sem deixar vestígios.

Cansados de serem vítimas, os indivíduos mais produtivos reagiram à intervenção violenta do governo em suas vidas e resolveram deixar de sancioná-lo decretando greve, parando o motor do mundo.

O livro se intitulava Quem é John Galt? e depois seria republicado como A revolta de Atlas.

A revolta de Atlas e o Objetivismo oferecem uma visão concreta da realidade e ensinamentos filosóficos que podem ser aplicados em lugares tão distintos quanto a Rússia, os Estados Unidos e o Brasil.

Ayn Rand provoca o colapso daquela sociedade descrita em A revolta de Atlas estatizando o que antes era privado. É como se ela transplantasse instituições elaboradas na Rússia, país onde vivera, implantando-as gradativamente nos Estados Unidos, país onde passara a viver, criando assim uma economia mista.

Em 1926, quando Ayn Rand emigrou para lá, os Estados Unidos viviam o fervor liberalizante promovido por Calvin Coolidge, e o país se revigorava; enquanto que, na Rússia, o poder era exercido por Joseph Stalin e o comunismo já vigorava. Juntando uma coisa com a outra em A revolta de Atlas, Ayn Rand lança um alerta aos americanos, desenhando o futuro que os esperava se continuassem a criar aquela economia mista que misturava o sonho americano com o pesadelo soviético, mundos tão diferentes que ela teve a oportunidade de viver.

Se para os soviéticos o sonho americano soava como uma utopia, para os americanos, o pesadelo soviético parecia uma distopia distante. Ao reunir ambos em A revolta de Atlas, o colapso da sociedade, asfixiada pelo governo e abandonada pelas mentes criativas e produtivas era inevitável. Essa economia mista, fundamentada em políticas baseadas numa moral coletivista e estatista que Ayn Rand tão bem descreve, reproduz algo muito parecido com a nossa realidade aqui no Brasil.

Qualquer brasileiro que inicia a extraordinária jornada literária proposta por Ayn Rand com A revolta de Atlas, chegará ao final com a impressão de que aquele não é um livro de ficção, mas um documentário que retrata em detalhes o que é o nosso país.

Ayn Rand conseguiu retratar o nosso drama particular a partir da sua experiência de vida e de suas formulações filosóficas.

A revolta de Atlas e o Objetivismo nos ajudam a entender os problemas do Brasil com mais profundidade e com esse objetivo que o Instituto Liberdade resgata, discute e promove o legado que Ayn Rand nos deixou.

A história do Brasil evidencia que, ao longo de nossa trajetória, mediante todas as alternativas que se apresentavam, invariavelmente, optamos pelo pior, escolhendo sem pestanejar o caminho da servidão.

Qualquer pessoa que analise com cuidado a formação cultural, ética e política do Brasil verá que a larga influência religiosa, de um lado, que acredita na força da fé sobre a razão, que prega o altruísmo como virtude e o autointeresse como pecado; e, de outro, a difusão da doutrina positivista, que vê nobreza no homem obediente que serve o próximo, em nome do coletivismo consequencialista e utilitarista, nos fez chegar até aqui, nessa situação de violência, miséria e corrupção em que nos encontramos.

Não é preciso sair do Brasil para vermos os desastrosos resultados alcançados quando uma sociedade escolhe, para nortear as relações entre os indivíduos que a compõem, ideias tão nefastas quanto as que temos elegido ao longo de nossa história.

A influência de ideologias religiosas ou seculares que, com a arrogância e prepotência típica dos que se consideram donos da verdade, tem nos afastado da compreensão daquilo que a própria realidade determina e indica.

A ignorância programada, arma dos poderosos, privilegia a felicidade efêmera e circunstancial que a fé ou a inconsciência pode proporcionar às massas, exortando-as a abdicar da faculdade volitiva do uso da razão, do método científico indutivo e da lógica, evitando assim que compreendam por si as soluções para as questões existenciais. O que sobra, então, é o império da autoridade.

A culpa e a inveja, alimentadas como forças-motrizes dos espíritos ressentidos dos que se submetem à perversa obliteração da autoestima e da individualidade, servem para a formação de verdadeiros exércitos a serviço do mal e do nada, no combate autodestrutivo contra aqueles que ousam usar seu potencial para criar, produzir e trocar, munidos apenas da vontade dos que querem comandar o seu próprio destino, com independência e produtividade.

A supressão da privacidade, da liberdade, da propriedade, para favorecer algo, a pátria, a tribo, o grupo, o que for, desde que seja uma abstração não identificada, mutante, amorfa, imprecisa, sem nome, sem alma, sem vontade, serve de pretexto para impor, violenta e coercitiva, o desejo de quem está no poder, para decidir como manejar vidas, sonhos e bens, sempre em proveito próprio, pessoal, concreto e de forma divinamente justificada.

É desta maneira que temos escrito nossa história, sob a direção de mistificadores irracionais, planejadores liberticidas e coletivistas cruéis – parasitas tiranos que pervertem os conceitos, a linguagem, a moral, a natureza do homem e da própria realidade, com o único propósito de dominarem o poder, pelo poder.

O caminho para a prosperidade não segue este roteiro. Para que uma sociedade prospere, é necessário que se reconheça a realidade, a razão como instrumento, os direitos individuais como meio e a própria vida e felicidade como fim.

A correlação entre realidade, razão e autointeresse deriva de axiomas filosóficos que tratam do que existe, da identidade do que existe, das leis da natureza que regem o que existe, inclusive da natureza do nosso ser, da nossa consciência, dos valores objetivos e morais que nos permitirão existir como seres humanos e indivíduos que somos.

Por não vivermos isolados, mas por coexistirmos num mesmo contexto social, faz-se necessário que tenhamos um contrato social tácito, inquestionável e consensual. Neste contrato, deve ficar estabelecido apenas que a vida é o padrão de valor essencial, e que para que ela possa ser vivida, cada indivíduo possui direitos inalienáveis, sendo eles, o direito à liberdade, à propriedade e à busca da felicidade.

O sistema político que integra esses princípios, conceitos e ideias, nunca, em momento algum da nossa história e em lugar algum do nosso território, foi sequer tentado. De todos os -ismos que já experimentamos, resta-nos para experimentar, apenas mais um, o capitalismo.

E por que o capitalismo nunca foi tentado?

Por que no Brasil ainda não estamos preparados para fazer o juramento proposto por John Galt no final de seu discurso em A revolta de Atlas:

“Eu juro pela minha vida e pelo meu amor por ela que nunca irei viver em função de outro homem, nem vou pedir a outro homem que viva em função de mim.”

Em nome do Instituto Liberdade eu gostaria de agradecer o interesse de todos vocês, sejam os que estão aqui presentes, seja os que nos acompanham através da transmissão que fazemos via internet.

Para concluir, gostaria de ressaltar que esse evento não seria possível sem a contribuição indispensável de nossos apoiadores, as empresas, Évora, Florense e Melnick Even, dos senhores Pedro Kopstein, Jose Feffer, Marcelo Schiavon, Michel Gralha, Carlos Biedermann, Winston Ling e Bruno Zaffari.

Cabe lembrar também a colaboração de nossas entidades co-irmãs, Instituto Atlantos, Students for Liberty e IEE- Instituto de Estudos Empresariais que se associaram nesse esforço ímpar para trazer até vocês esta que é a primeira Conferência sobre as ideias de Ayn Rand.

Da mesma maneira, foi imprescindível a parceria estabelecida com o Ayn Rand Institute e com o Ayn Rand Center Latin America, cujos presidentes e CEOs, respectivamente, Tal Tsfany e Maria Marty, gostaria de convidar ao palco.

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Revisado por Matheus Pacini.

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