Como NÃO defender a liberdade

Em entrevista à revista Reason, a candidata à presidência do Partido Libertário, Jo Jorgensen, explica que sua principal característica é o fato de ser “prática e ética”. 

Ela é ética porque defende “uma plataforma totalmente libertária”, mas também é prática porque reconhece que não convence dizer apenas “sou a favor da liberdade” e ponto. As pessoas que seriam [convencidas] pela liberdade por si só provavelmente já estão no partido. Precisamos convencer donas de casa, empresários e pessoas comuns de que nossas ideias funcionam melhor.

Não acho que seja uma boa tática simplesmente dizer, por exemplo, “o corpo é meu e posso injetar as drogas que quiser nele”. Precisamos explicar aos americanos como isso os ajudaria — a criminalidade diminuirá, os traficantes não vão ficar na porta da escola de seus filhos [nem serão exemplos de sucesso no bairro]. Alguém já viu um dono de loja de bebidas oferecendo gim para adolescentes do ensino médio? Quero defender um ponto de vista prático, explicar para a maioria dos americanos que não [apoio a legalização das drogas] porque quero usar drogas ou que você use. Quero um país melhor e mais seguro para seus filhos, com menos violência.

A perspectiva de Jorgensen é muito comum dentro do movimento liberal. Lembro-me de Milton Friedman, por exemplo, dizendo que a liberdade era desejável por si só, além de ter consequências desejáveis. E, muitas vezes, mesmo os objetivistas afirmam que uma política particular é tanto moral (protege direitos) quanto prática (gera resultados econômicos positivos).

A crença é a de que existem dois tipos de defesa da liberdade: argumentos morais, que apelam para princípios, e argumentos práticos, que apelam para consequências.

Mas há algo extremamente bizarro nessa forma de pensar. As pessoas que fazem isso costumam dizer que acreditam em suas ideias por princípio e, mesmo assim, acham que outras pessoas não serão convencidas por princípios, só por argumentos práticos.

E assim, como comunicador, você está na posição de apresentar argumentos desonestos. “Sou tão moral que argumentos éticos me convencem. E vocês? Vocês da ralé estão presos em suas preocupações práticas, logo, apresentarei alguns argumentos práticos”.

Isso não é nada autêntico. Uma de minhas crenças mais profundas é que os únicos argumentos que você deve usar para defender suas opiniões são os que refletem a razão pela qual você acredita no que acredita. Você convence os outros compartilhando as ideias que o persuadiram.

Quando você lança argumentos apenas para apelar às outras pessoas, você não está mais persuadindo: está manipulando.

A fonte do erro

A ideia de que há duas defesas da liberdade reflete uma visão distorcida de princípios e de praticidade.

Por um lado, trata os princípios como intrinsecamente valiosos. A liberdade não é boa porque atinge algo desejável na realidade: é boa em si mesma.

Mas quando você admite que princípios podem ter valor intrínseco, como você responde a um justiceiro social que acredita que a igualdade de resultados é intrinsecamente valiosa?

Por outro lado, essa ideia priva o termo “praticidade” de qualquer sentido. Obviamente, o que é “prático” depende do que você quer praticar. E isso não deveria ser determinado pela moralidade? Não é ela que estabelece nossas metas básicas e, portanto, o padrão do que é prático?

Por exemplo, se acreditamos que nosso objetivo moral é servir ao Führer, não é prático “seguir ordens” para cometer genocídio? Se nosso objetivo moral é eliminar a desigualdade, não é prático penalizar os bem-sucedidos e recompensar os fracassados? Se nosso objetivo moral é minimizar nosso impacto no planeta, não é prático rejeitar o capitalismo e a sociedade desenvolvida que ele possibilita?

“Não, não, não. Você sabe o que queremos dizer com prático, Watkins. Falamos de coisas como prosperidade, segurança, oportunidade, saúde… coisas que a maioria dos americanos deseja”.

Para entender o que acontece aqui, é preciso reconhecer que a concepção de moralidade de nossa cultura é construída sobre uma profunda divisão filosófica entre ideias e realidade. Isso remonta a Platão, que acreditava em dois mundos: este mundo e o mundo “superior” das ideias. A perspectiva de Platão foi herdada pelo cristianismo, que trocou as ideias de Platão por Deus no céu.

Nessa visão dualista, a moralidade é um guia para alcançar algo não nesta vida, mas na próxima. Ser moral é perseguir o bem independentemente de sua vida na Terra. Ser prático, então, é abandonar as preocupações morais e fazer “o que funciona”, em vez daquilo que uma “realidade superior” exige.

Mais tarde, a visão cristã da moralidade foi secularizada naquilo que Ayn Rand chamou de “altruísmo”. O altruísmo manteve a ideia de que não há participação pessoal na moralidade —a moralidade é servir a algo maior do que sua própria vida na Terra. Mas o altruísmo dizia que, em vez de servir a algum Deus etéreo ou a “Forma do Bem”, a moralidade se trata de servir a outras pessoas.

Nossa cultura é governada pelo altruísmo. Não porque as pessoas andem por aí colocando os outros acima de si, mas porque aceitamos a estrutura altruísta, que diz que princípios morais não são guias para conseguir o que você quer, mas mandamentos ordenando que você desista do que quer. Ser prático, perseguir o que você quer aqui na Terra… você não precisa de princípios para isso. Você só descobre o que quer no momento e vai atrás. Mas não faça isso!

Por que a liberdade perde

Perceba o que essa forma de pensar implica para a liberdade: que ela tem um valor intrínseco — tem valor sem motivo algum, no que poucas pessoas acreditam, conforme apontado por Jorgensen — ou que tem valor porque ajuda as pessoas a perseguir uma variedade de desejos ou caprichos amorais e “práticos”.

De forma mais categórica, podemos pensar da seguinte forma. A pessoa moral é a que coloca os interesses dos outros acima de si própria. A pessoa prática é a que persegue o que quer, independentemente das questões morais. Então, o movimento da liberdade aparece e diz: “Junte-se a nós para que você possa perseguir o que quiser, independentemente das preocupações morais.”

Nem preciso dizer o que a maioria das pessoas fala quando encara essa visão. Você ouve o tempo todo: “Isso é egoísta e imoral. Precisamos frear a ganância e o egoísmo, e não os estimular”.

As visões estatistas detêm a superioridade moral justamente porque colocam a moralidade acima da praticidade.

Você pode pensar: “Mas os estatistas não dizem que suas políticas são práticas? Não dizem que a liberdade não leva realmente à prosperidade, segurança, oportunidade, saúde etc.?”

Sim. E as pessoas acreditam neles porque, no fim das contas, a maioria de nós não consegue aceitar que algo que seja moral não funcione. Se é moral servir aos outros, então, políticas que nos obriguem a colocar os outros acima de nós mesmos têm de funcionar. E se não funcionarem, se não alcançarem consequências desejáveis, bem, não era socialismo de verdade, ou não planejamos a política do jeito certo, ou ela foi prejudicada por republicanos egoístas e democratas com sede de poder.

O que não dá para fazer é reverter esse processo de pensamento. Não se pode dizer às pessoas “Olha, os mercados são morais porque, embora liberem a imoralidade, alcançam fins nobres e altruístas”. E se você acha que isso pode funcionar, é melhor explicar por que nunca funcionou em mais de 200 anos.

Como a liberdade vence

Não há duas defesas da liberdade: um argumento de princípios e um argumento prático. Não defendemos a liberdade dizendo: “É moral por isso e é prático por aquilo”. Uma defesa convincente da liberdade é a que oferece princípios práticos às pessoas.

E o ponto de partida é reconhecer que a liberdade não é um valor porque lhe permite fazer o que você quiser. Ela é um valor porque protege sua capacidade de viver uma vida moral.

Platão, o cristianismo e o altruísmo acham natural que a moralidade seja uma coisa impessoal e pouco prática, que exista para suprimir a busca daquilo que o ajuda a prosperar como indivíduo.

Mas há uma visão diferente da moralidade, da qual Aristóteles foi pioneiro, que diz que há apenas um mundo – este aqui – e que a moralidade é um conjunto de princípios para se desenvolver nele.

Segundo essa visão, não vivemos bem se fizermos tudo o que quisermos. Não podemos ir atrás das coisas só porque elas nos atraem e esperar alcançar a felicidade e o sucesso. Precisamos de orientação moral sobre quais objetivos realmente levarão ao crescimento e que ações éticas levarão à conquista desses objetivos.

Essa abordagem aristotélica à moralidade é a base da liberdade. A liberdade é o sistema social que emerge do reconhecimento de que, para prosperar, os seres humanos devem ser racionais: eles precisam pensar, usar seu pensamento para produzir, lidar com os outros por meio da persuasão racional e cooperação, em vez de força bruta.

A liberdade é boa porque permite que os indivíduos sejam morais, ou seja, racionais, ou seja, prosperem aqui na Terra.

Princípios práticos na prática

Formulei aqui o quadro necessário para entendermos por que a liberdade é um valor. Ela nos dá princípios práticos para criar uma sociedade onde os indivíduos podem se desenvolver.

E isso, por sua vez, sugere como podemos defender persuasivamente políticas pró-liberdade.

Não dizemos “a liberdade na saúde é moral por isso e é prática por aquilo”. Não dizemos “a liberdade na saúde é boa porque o governo não devia ter o poder de nos dizer o que fazer com nossa saúde. E se você não ficar convencido, não se preocupe, posso listar diversos outros benefícios da liberdade na saúde: leva a preços mais baixos, evita a escassez, incentiva a inovação e ajuda os mais pobres”.

Em vez disso, estabelecemos um objetivo moral — permitir que os seres humanos busquem a saúde para que possam prosperar —, depois explicamos como a liberdade protege nossa capacidade de buscar a saúde, enquanto as políticas antiliberdade nos impedem de persegui-la.

Observe que essa abordagem reformula completamente o debate sobre a saúde. Como o foco está no indivíduo buscando sua saúde, a responsabilidade individual se torna o tema central. Você não está tratando a saúde como um direito que a sociedade deve garantir para todos, mas como algo que os indivíduos devem procurar ativamente ganhando dinheiro, adquirindo planos de saúde, tomando decisões inteligentes, consultando profissionais de saúde etc.

Você detém a superioridade moral, enquanto quem exige uma assistência à saúde que não merece, às custas dos outros, fica na defensiva.

Em comparação, a abordagem moral/prática acaba pegando aleatoriamente metas da cultura — tanto objetivos voltados ao progresso quanto metas voltadas ao sacrifício pessoal. Em vez de defender que a liberdade trará acessibilidade e alta qualidade ao atendimento à saúde, dando ao máximo de pessoas a oportunidade de obter a riqueza necessária para comprá-lo, você faz um contorcionismo tentando fingir que uma sociedade livre garantirá a todos a saúde que quiserem, sem levar em conta sua capacidade de pagar.

Uma sociedade livre não garante isso porque tentar fazê-lo apenas garante que indivíduos racionais não serão capazes de buscar a saúde (e todo o resto) da melhor forma possível. 

As implicações totais dessa abordagem de defesa da liberdade e os detalhes de como aplicá-la são complexos. Então, continue lendo! Minha ideia, aqui, é apenas dizer que se você estiver fazendo duas defesas da liberdade, saberá que está no caminho errado.

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Publicado originalmente em Don Watkins

Traduzido por Matheus Pacini.

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