Agostinho, Aquino, Aristóteles e Rand sobre a ira

Dando seguimento à pequena série sobre os pecados capitais do cristianismo, falarei sobre a ira. Como de costume, existem duas visões muito distintas sobre o assunto dentro do pensamento cristão: a de Agostinho e a de Tomás de Aquino. Ambas estão erradas, de formas distintas.

Em uma carta endereçada a um convento de freiras, cujo assunto era a punição aos membros mais “safados” da Igreja, Agostinho diz que a punição deve ser baseada, simultaneamente, no ódio ao pecado e no amor pela pessoa – uma ideia transformada por Gandhi na famosa máxima “odeie o pecado, ame o pecador”. Essa ideia é absurda, e só faz sentido no contexto do sobrenaturalismo cristão.

Se não olhamos para o homem pela perspectiva de uma “alma inocente”, contaminada por um corpo falho e pecaminoso, um pecado só existe como aspecto da pessoa que peca. O ser humano escolhe as suas ações, e o valor de uma pessoa é baseado exclusivamente em suas escolhas, concretizadas em suas ações. Não existe pecado sem pecador, e não há pecador que não tenha escolhido pecar. Dizer que alguém deveria odiar um sem odiar o outro é como dizer que alguém deve odiar a fome, mas não a falta de comida.

Tomás de Aquino tinha uma visão muito mais interessante do ódio. Baseando-se em Aristóteles, estabelece a realidade como padrão, e afirma que o ódio pode ser vão ou justo. Mesmo adotando um padrão moral irracional para julgar ações específicas, argumenta que o ódio baseado em uma falsa imagem de si mesmo é pecaminoso, mas o ódio que vem como consequência da percepção de uma iniquidade é justo, “pois sem a raiva, o ensino seria inútil, os julgamentos instáveis, e os crimes impunes”. Essa visão, ainda que interessante, é imprecisa.

Emoções são respostas subconscientes às valorações do indivíduo. São respostas automáticas, completamente fora do controle imediato do indivíduo. A ética lida com a escolha humana, logo, coisas que não podem ser escolhidas, como uma resposta emocional específica, estão fora do campo da moral. Apenas indo além da ideia de uma emoção como “crimideia” orwelliana, que só faz sentido no contexto de um “grande irmão” divino, podemos chegar ao essencial: os valores adotados pelo indivíduo.

Respostas emocionais são automáticas, mas os valores que dão origem a elas são, em última instância, escolhidos. O “pecado” não é o ódio, mas a adoção de valores maus, que levam ao ódio arbitrário ou, no pior dos mundos, ao ódio do bom, por ser bom. Um valor não é mau por ofender uma entidade sobrenatural, mas por ir contra a natureza racional do homem, levando ao seu sofrimento e morte.

O ódio não deve ser reprimido, mas nutrido e direcionado apropriadamente. Nas palavras de Aristóteles: “Qualquer um pode odiar – isso é fácil, mas odiar a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo, e da maneira certa – isso não é fácil, nem possível para qualquer pessoa”.

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Revisado por Matheus Pacini.

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