Libertarianismo x Capitalismo Radical (Parte II)

A falha fatal do libertarianismo: uma ideologia da “grande tenda”

Há muito mais que falar sobre a hierarquia filosófica que valida e justifica os direitos, embora o supracitado seja uma indicação dos tipos de verdades que não podem ser ignorados ou negados se quisermos defender os direitos individuais e, portanto, uma sociedade livre. Ignorar ou negar a necessidade dessa fundação é estar à mercê de utilitaristas, altruístas, igualitários e afins. Os direitos individuais e a legitimidade da propriedade dependem de outras verdades morais e filosóficas mais profundas; assim, para defender a liberdade, precisamos reconhecer e aceitar essas verdades mais profundas.

Não obstante, o libertarianismo rejeita a necessidade de fazê-lo.

Os libertários se negam explicitamente a entrar nesse tipo de controvérsia. Querem falar do princípio dos direitos e usá-lo como guia enquanto ignoram ou negam os fundamentos sob os quais esse princípio se sustenta. Como Susan Lee escreve em elogio a essa ideologia: “o libertarianismo é pura simplicidade. Ele procede de um conceito único – a primazia da liberdade individual”. Os libertários “não se sentem cômodos com questões normativas” ou “questões relativas ao ‘melhor comportamento’ em assuntos sociais ou culturais. Em vez disso, “o pensamento libertário promove o relativismo e a inclusão”, além da “tolerância” que “provem de uma indiferença quanto às questões morais[1]”.

O libertarianismo é um projeto para estabelecer uma “grande tenda” sob a qual qualquer pessoa que defenda “direitos” ou o “princípio da não agressão” possa se unir e lutar pela “liberdade” – independentemente de quais diferenças morais e filosóficas que possam ter. Como o diretor-executivo do Students for Liberty, Alexander McCobin, explica: “o libertarianismo é a filosofia política que prioriza o princípio da liberdade”:

“Você pode ser libertário e ser um hindu, um cristão, um judeu, um muçulmano, um budista, um deísta, um agnóstico, um ateu, ou um seguidor de qualquer outra religião, sempre que respeite a igualdade de direitos dos outros… O libertarianismo não é uma filosofia de vida – nem uma metafísica, nem uma religião – ou mesmo um valor, embora seja compatível com uma variedade infinita dessas filosofias”.

McCobin está correto. Você pode ser um libertário independentemente de quaisquer ideias filosóficas mais profundas que possa ter. O libertarianismo é precisamente uma ideologia de “grande tenda” que não está preocupada com questões morais e filosóficas mais profundas. Mas isso não é uma característica favorável do libertarianismo; é uma falha fatal.

As pessoas não podem defender a liberdade de forma digna, coerente ou efetiva se seus conceitos moral e filosófica mais fundamentais estão em conflito com direitos. E os princípios fundamentais da maioria das filosofias e religiões das pessoas contradizem claramente a ideia de que os direitos deveriam ser respeitados – ou inclusive que existam. Tal fato já vimos anteriormente ao falar de algumas filosofias seculares. Considere agora o conflito entre direitos e religião.

A religião é incompatível com os direitos

Comecemos com um exemplo óbvio que é muito relevante ao mundo posterior ao 11 de setembro. De acordo com o Islã, Alá ordena os muçulmanos a converterem ou mataram não muçulmanos: “matai os idólatras, onde quer que os achais; capturai-os, acossai-os e espreitai-os usando todo estratagema de guerra” (Alcorão 9:5); “lute com eles até que não haja mais oposição e todos se submetam a Alá” (Alcorão 8:39). Se as pessoas creem, como o fazem os muçulmanos, que Deus existe e que Ele os ordena a converter ou matar os descrentes, como podemos esperar que eles respeitem os direitos das pessoas? Segundo sua religião, Deus não é um qualquer que tem sua opinião. Ele é Deus, governante do universo, e a Ele devemos obediência.  

E o Islã não é a única religião que exige tal agressão. O Judaísmo e o Cristianismo também o fazem. De acordo com o Velho Testamento, Deus ordena: “quando te incitar teu irmão, filho da tua mãe, ou teu filho, ou tua filha, ou a mulher do teu seio, ou teu amigo, que te é como a tua alma, dizendo-te em segredo: vamos, e sirvamos a outros deuses… Não consentirás com ele, nem o ouvirás; nem o teu olho o poupará, nem terás piedade dele, nem o esconderás; mas você o matará” (Deuteronômio 13:6-9). E: “quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles”. (Levítico 20:13)

Apesar de o Novo Testamento ser menos violento que o Velho, ele inclui parábolas e metáforas em que Jesus pede que seus seguidores matem os infiéis. Por exemplo, na Parábola das Minas, Jesus conta a história de um homem que estava para ser rei e que, depois de coroado, pediu a seus súditos que perseguissem seus inimigos, matando-os: “e quanto aos meus inimigos, que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui, e matai-os diante de mim” (Lucas 19:27). Da mesma forma, na Última Ceia, Jesus propôs a seguinte metáfora a seus discípulos: 

Eu sou a videira; vocês, os ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dará muito fruto; pois sem mim vocês não podem fazer coisa alguma. Se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem (João 15:5-6)

Independentemente de um cristão específico interpretar essas passagens como uma incitação a matar os não crentes, muitos cristãos ao longo dos séculos, de fato, as interpretaram dessa forma, e essa é parte da razão pela qual os cristãos mataram tantas pessoas que se negaram a aceitar Cristo como seu Salvador.

Felizmente, hoje, poucos judeus ou cristãos levam a sério tais aspectos de suas religiões. Mas alguns, sim. E muitos levam tais aspectos a sério a ponto de exigir a exibição dos 10 mandamentos nos tribunais (“Eu sou o Senhor teu Deus…Não terás outros deuses além de Mim”), proibir a homossexualidade, estabelecer ou manter leis que proíbam o casamento homossexual e coisas parecidas.

E as violações de direitos exigidos ou sugeridos pela religião são muito mais arraigadas na cultura e na política que se possa imaginar. Considere alguns mandamentos da Bíblia com respeito à propriedade. Judaísmo e Cristianismo defende que somos guardiões de nossos irmãos, e que temos o dever moral de ajudar os pobres. Tanto o Velho como o Novo Testamento são claros nesse aspecto. Por exemplo, Deus (através de Moisés) diz, “Eu te ordeno: livremente abrirás a tua mão para o teu necessitado, e para o teu pobre na tua terra” (Deuteronômio 15:11). E Jesus disse, “dê a todo aquele que pedir, e se alguém tirar o que pertence a você, não lhe exija que o devolva” (Lucas 6:30); e “vende tudo que tens, reparte-o pelos pobres, e terás um tesouro no céu; e segue-me” (Lucas 18:22). E assim por diante. 

Se as pessoas acreditam, como o fazem judeus e cristãos, que Deus existe e que Ele exige que as pessoas redistribuam sua riqueza aos necessitados, como se pode esperar que elas aceitem a ideia de que devemos respeitar os direitos de propriedade?

Dizer a uma pessoa religiosa, “você pode ser a favor da liberdade e ainda seguir sua religião, desde que você respeite os direitos das pessoas” é dizer “você pode ser a favor da liberdade e ainda seguir sua religião, desde que ignore ou negue os dogmas centrais de sua religião”. Quem fará isso? E se uma pessoa religiosa constantemente ignorar as premissas básicas de sua religião, como ela se sentirá? E não será punida por seu Deus por tal desobediência?

É impossível defender a liberdade sem uma moralidade racional

Se as pessoas aceitam ideias morais ou filosóficas fundamentais que estão em conflito com os direitos, então, mesmo que digam que são “em prol da liberdade”, não serão capazes de defendê-la de forma consistente ou duradoura. Quando chega o momento de votar em um político, ou de escrever a um governante, ou de defender a abolição do SUS, da Previdência Social, do Bolsa Família ou do ensino público, as convicções filosóficas fundamentais das pessoas triunfarão, na maioria dos casos, sobre suas reivindicações políticas.

A legitimidade da liberdade e da maldade do uso da força pressupõem e dependem de alguns princípios morais e filosóficos – e são enfraquecidos e contestados por outros. A única forma de defender a liberdade é identificar, aceitar e respeitar os princípios morais e filosóficos objetivos e demonstravelmente verdadeiros, e é a isso que o enfoque do libertarianismo se opõe.

Sim, alguns libertários dizem não ser contra os fundamentos filosóficos como tais, só contra a ideia de que existe um único fundamento filosófico objetivamente correto para direitos e liberdade. Nessa visão, uma ampla gama de fundamentos pode justificar a liberdade – e, quanto mais, melhor. Como Tom Palmer afirma: “se muitos argumentos diferentes, não exclusivos (sobre a origem dos direitos), convergem numa mesma conclusão, então podemos estar mais seguros de sua verdade que só se um dos argumentos nos levasse a ela, enquanto outros levassem a conclusões diferentes”.[2] Tudo parece bem, até que você se dá conta que “muitos argumentos diferentes (e não excludentes)”, os quais supostamente convergem na conclusão de que os direitos dos indivíduos emergem das próprias filosofias negadoras de direitos que já discutimos: utilitarismo, igualitarismo, religião e, etc. O próprio Palmer inclui argumentos do utilitarismo e da religião entre os “muitos”, e os chamados libertários bleeding-heart argumentam via altruísmo e igualitarismo em “defesa” da liberdade. Todos esses argumentos são bem-vindos no libertarianismo – desde que, é claro, nenhum se autoproclame correto em exclusão aos outros. Isso é, obviamente, absurdo.

Outros libertários, sentindo a impossibilidade de defender os direitos com filosofias que expressamente negam a possibilidade dos direitos, simplesmente evitam a todo custo qualquer pergunta que tenha que ver com a verdade moral e a filosofia mais profunda. Por exemplo, quando se pergunta se existem verdades sobre certo e errado, ou se tais “verdade” são apenas questão de consenso social, Harry Brown (duas vezes candidato do Partido Libertário) responde: “é difícil para nós falarmos do que é moralmente correto ou incorreto… os libertários querem minimizar o uso da força na resolução de problemas políticos e sociais. E não vamos resolvê-los falando de filosofia”.[3]

A verdade, todavia, é que a única forma de avançar em direção a uma sociedade livre é por meio da discussão filosófica.

Premissas morais e filosóficas erradas levam a resultados políticos desastrosos

O que as pessoas têm ou não direito a fazer não pode ser entendido, e muito menos defendido, sem entrar na filosofia. Quem não baseia o princípio dos direitos e a legitimidade da liberdade em verdades morais e filosóficas mais profundas não sabe, de fato, que são direitos e porque a liberdade é boa, portanto, não pode aplicar tais princípios de forma consistente e racional. Observe, nesse sentido, alguns dos pontos de vista entre libertários sobre quem tem o “direito” a fazer algo.

Alguns libertários, como Murray Rothbard, defendem que os pais deveriam ser legalmente livres a deixar que seus filhos morressem de fome ao deixá-los sem comer – desde que os pais não estejam agredindo ninguém. Por que alguém defenderia tal posição? Porque essa posição está implícita no chamado axioma da não agressão. “O axioma fundamental da teoria libertária”, explica Rothbard, é que “a violência não deve ser usada contra um não agressor”. Essa é a regra fundamental da qual se pode deduzir todo o corpus da teoria libertária[4]”. Portanto, segue o argumento, enquanto os pais não estiverem agredindo ninguém, não há razão para proibi-los legalmente de alimentar seus filhos. Escreve Rothbard:

“Os pais não deveriam ter obrigação legal de alimentar, vestir ou educar a seus filhos, já que tais obrigações implicariam em atos positivos de coerção sobre os pais, privando-os de seus direitos…. Os pais deveriam ter o direito de não alimentar seu filho, isto é, deixá-lo morrer… Essa regra nos permite resolver questões como: um pai deve ter direito a deixar que um bebê defeituoso morra? A resposta é claramente “sim”, partindo do direito anterior à morte de qualquer bebê, defeituoso ou não”[5].

Essa é a forma de “pensar” que resulta da separação do princípio dos direitos e da legitimidade da liberdade das ideias morais e filosóficas que os justificam e lhes dão origem. Nesse caso, ignora-se (entre outras coisas) o proposito dos direitos, a relação entre direitos e responsabilidades, a natureza dos pais, a natureza dos filhos, a natureza do relacionamento entre eles. Essas não são questões políticas, mas sim morais, epistemológicas e metafísicas. E não podemos entender as responsabilidades legais válidas dos pais para com seus filhos a menos que entendamos e nos refiramos a essas questões filosóficas mais profundas.

Alguns libertários, tais como Bryan Caplan, defendem que nunca devemos participar de guerras. Nunca. Sob nenhuma circunstância. Nem mesmo se formos atacados pelo Estado Islâmico que tem como objetivo eliminar-nos. Por quê? Pois, afirma Caplan, a guerra envolve invariavelmente a “morte de muitos civis inocentes”[6] ou, pelo menos, “risco desnecessário a grande número de pessoas inocentes”[7], os quais, de acordo com o axioma da não agressão, torna-o instantaneamente mau. “A política externa derivada dos princípios libertários”, escreve Caplan, é “de oposição a todas as guerras. E que nome se dá ‘à oposição de todas as guerras’? Pacifismo.”

Mas o pacifismo não contradiz o princípio libertário de que as pessoas têm o direito ao uso da força retaliatória? Não. Estou totalmente de acordo com a vingança contra delinquentes, individualmente. Minha tese é que, na prática, é quase impossível guerrear com justiça, isto é, sem violar os direitos de inocentes. Toda organização militar viável na história usou a força para adquirir recursos, imprudentemente colocando em risco a vida de civis, e abraçando alguma variante de culpa coletiva. A guerra é um negócio sujo. É muito difícil ganhar se você joga cumprindo as regras.[8]

Segundo essa “lógica”, como não podemos eliminar os regimes estrangeiros que nos atacam sem matar pessoas inocentes no processo, não temos o direito de eliminar os regimes agressores. Novamente, essa maneira de “pensar” que deriva da separação do princípio dos direitos e da maldade da força do que justifica e dá lugar a esses princípios. Ignora-se (entre outras coisas) o propósito moral do governo, a natureza egoísta dos direitos, e a natureza da responsabilidade moral, a qual inclui o princípio de que as pessoas e os governos são responsáveis pelas consequências de suas ações e dos eventos que encetam. Quando essas e outras verdades morais e filosóficas são levadas em conta, podemos ver que um governo moral preocupa-se em proteger os direitos dos seus cidadãos, sem importar os meios, e que a responsabilidade moral pela morte de todos os inocentes na guerra recai sobre quem iniciou a força e que, portanto, forçando as medidas retaliatórias necessárias. Constatamos que, embora o governo possa ser a causa imediata da morte de inocentes, o governo ou regime que iniciou a força e, portanto, exigiu a força retaliatória necessitada é a causa fundamental dessas mortes. E podemos ver que, embora o governo usar força retaliatória pode não matar inocentes além do necessário para eliminar o agressor, ele pode matar inocentes se, e somente se, ao fazê-lo é necessário para eliminar o agressor. Em resumo, se levarmos em conta princípios morais e filosóficos mais profundos, podemos entender como lidar com uma situação complexa e horrível; se não o fizermos, não podemos.

O anarquismo mostra até onde pode chegar a irracionalidade

Como último exemplo do que acontece quando se ignoram as verdades filosóficas mais profundas, observamos que muitos libertários – incluindo Murray Rothbard, Bryan Caplan, Roy Childs, Randy Barnett, Peter Leeson, Walter Block e David Friedman – abraçam o anarquismo, a ideia de qye todo governo deve ser eliminado. Segundo esse ponto de vista, o governo, por sua natureza, é inaceitável, porque, ao estabelecer e fazer cumprir leis em uma área geográfica determinada, o governo “agride” quem não quer obedecer às leis. O governo, segundo o anarquismo, deve ser abolido para que as pessoas sejam “livres” – livres não só para produzir e comercializar, mas também para formar suas próprias “agências privadas de defesa” ou “agências de defesa concorrentes”. Na ausência do governo, segue o argumento, essas agências de defesa concorrentes manteriam a paz na sociedade.[9]

Essa ideia e todas as suas variantes ignoram tantas verdades morais e filosóficas que é difícil saber por onde começar. Ela ignora o fato de que o livre mercado pressupõe a existência de um governo que proíba o início da força nas relações sociais, e que utilize a força só em represália e contra os que iniciam seu uso. (Se iniciar a força não é proibida pelo governo, então, as pessoas e suas propriedades estão à mercê de qualquer delinquente ou gangue que decida usar a força). Ignoram muitos fatos relativos à natureza humana, incluindo o fato de que, sem garantia de usar e manter o produto de seu trabalho, as pessoas perdem o incentivo a produzir; e o fato de se as pessoas tiveram que se preocupar constantemente se serão atacadas por um ladrão, uma gangue ou uma agência de defesa concorrente, elas não poderão focar em ser produtivas ou perseguir outros valores – sejam relações românticas, atividades recreativas ou férias, por exemplo. Ela ignora o fato de que agências de defesa concorrentes teriam necessariamente que estar baseadas em ideais opostas sobre qual é a fonte apropriada das regras / leis que seguem (Bíblia? Corão? Consenso social? Desejo de Mugsy?), o que é permitido e o que não é (propriedade? Aborto? Pedofilia? Liberdade de expressão?), qual tipo e que nível de força deve ser usado contra os que violam as leis do clã (apedrejamento? Amputação? Vingança contra membros da família), o que fazer quando alguém do clã A faz algo inadmissível segundo as leis do clã B (sequestra-lo? Invadir e sequestrar seu clã? Matar todos? Esquecer-se de tudo?), e assim por diante.

O principal, todavia, é que o anarquismo ignora as leis da identidade e da não contradição – os fatos realmente axiomáticos de que as coisas são o que são e não podem ser o que não são. O anarquismo finge que, por exemplo, muitos governos pequenos não são governos em absoluto. O grande liberal clássico do século XIX, Auberon Herbert, aborda esse e outros pontos relacionados de forma conclusiva. “A anarquia”, explica Herbert, “parece-nos não compreender a si mesma”:

Não é, na verdade, anarquia ou “não governo”. Quando se destrói o governo central regularmente constituído, propondo deixar cada grupo organizar sua própria estratégia de repressão à delinquência comum, limita-se a decentralizar o governo ao máximo, dividindo-o em fragmentos diminutos de vários tamanhos e formas. Enquanto exista delinquência comum, enquanto exista agressões de um homem contra a vida e a propriedade de outro homem, enquanto exista uma grande massa de homens decididos a defender sua vida e propriedade, não pode haver anarquia ou falta de governo.

Pela necessidade das coisas, somos obrigados a escolher entre governo regularmente constituído, geralmente aceito por todos os cidadãos para a proteção do indivíduo, e governo irregularmente constituído, aceitado irregularmente, tomando sua forma de acordo com o padrão de cada grupo. Nem em um caso nem no outro eliminamos o governo. O anarquista mais puro, o homem que realmente elimina o governo, é Tolstói, que prega, como fez Jesus, que todos devemos aceitar os golpes sem revidar. Desse modo, o governo pode ser eliminado – mas, então, quantos de nós estão preparados para seguir Tolstói?

Ainda existe, como citam os anarquistas, outro método para lidar com delitos comuns. Sob a teoria do “não governo”, a defesa da pessoa e sua propriedade, e a punição pelo crime pode ser deixada totalmente nas mãos do indivíduo; e esse método, como o de Tolstói, seria muito consistente com a verdadeira teoria anarquista. Ouvi um anarquista capaz defende-lo com base em que os homens usariam a força com mais escrúpulos quando obrigados a agir em sua própria defesa do que quando agem por meio de um juiz ou policial. Mas, novamente, quantos de nós estão preparados para julgar e agir por nós mesmos com respeito aos nossos próprios erros? Ou, por outro lado, quantos de nós consentiriam em que autonomeassem juízes e carrascos os que creem ter sido prejudicados por nós? Para a maioria de nós, tal sistema poderia ser definido como “pandemônio”[10].

A linha de raciocínio de Herbert é incontestavelmente sólida. Contudo, não seria capaz de persuadir os que se recusam a considerar nada mais fundamental que o chamado axioma da não agressão.

Observemos que o argumento de Herbert é essencialmente metafísico e epistemológico. Ele envolve a lei da identidade: as coisas são o que são – governo descentralizado é governo descentralizado. Ele envolve a natureza do homem: contanto que as pessoas queiram defender suas vidas e propriedade (como devem, para sobreviver), formarão governos para fazê-lo; assim, não pode haver “não governo”, pelo menos, não por muito tempo. E envolve a lei da não contradição: nada pode ser o que é e o que não é – governo não pode ser “não governo”, e pandemônio não pode ser paz.

O supracitado representa somente alguns problemas do libertarianismo; existem vários outros. Mas esses poucos deveriam ser suficientes para provar que a defesa da liberdade separada das fundações da liberdade é um total absurdo.

LEIA A PARTE III aqui.

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Tradução e revisão por Matheus Pacini

Publicado originalmente em The Objective Standard.

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[1] LEE, Susan, “Sex, Drugs and Rock ’n’ Roll,” Wall Street Journal, Disponível em: http://online.wsj.com/article/0,,SB1045015523448247263,00.html.

[2] MCCOBIN, Alexander. “The Political Principle of Liberty,” in Why Liberty. Ottawa, IL: Jameson, 2013. p. 47–48.

[3] PALMER, Tom G. “The Literature of Liberty,” in The Libertarian Reader. New York: The Free Press, 1997. p. 422.

[4] Entrevista de Harry Brown ao National Review, conduzida por Karina Rollins.

[5] ROTHARD, Murray. War, Peace, and the State. p. 116.

[6] ROTHARD. Ethics of Liberty. p. 100.

[7] CAPLAN, Bryan. Pacifism in 4 Easy Steps, Disponível em: http://econlog.econlib.org/archives/2013/02/pacifism_in_4_e.html.

[8] CAPLAN, Bryan. “Pacifism Defended,” Disponível em: http://econlog.econlib.org/archives/2011/04/pacifism_defend.html.

[9] CAPLAN, Bryan. “Why Libertarians Should Be Pacifists, Not Isolationists,” Disponível em: http://econlog.econlib.org/archives/2010/03/why_libertarian.html.

[10] Por exemplo, veja ROTHBARD, Murray N. “Defense Services on the Free Market,” in Power and Market. Auburn, AL: Ludwig von Mises Institute, 2006. p. 1–10; e FRIEDMAN, David, “Police, Courts, and Laws—on the Market,” in The Machinery of Freedom, 2nd ed. La Salle, IL: Open Court, 1989. p. 114–120.

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