Verdade ou mentira: a sua verdade não é a minha verdade?

Em um artigo recente para o The Asheboro Courier-Tribune, KimberMarie Faircloth, estudante do College of Charleston, propôs a questão: “o que é a verdade?” Em uma manobra já previsível no mundo pós-moderno em que vivemos, Faircloth declara que a verdade é subjetiva: “a sua verdade não é a verdade de seu vizinho. A sua realidade não é a minha.”

Para justificar sua alegação, ela destaca dois temas distintos frequentemente discutidos nos cursos de ciências sociais: o efeito da expectativa do experimentador e o argumento que descrever algo é limitá-lo, logo, modificá-lo. Como veremos, nenhuma desses temas sugere que a verdade é impossível de ser adquirida e, muito menos, subjetiva.

O efeito da expectativa do experimentador é um problema real enfrentado por pesquisadores na coleta de dados. Suponha que você deseja responder a esta pergunta de pesquisa: os frequentadores de restaurantes públicos observam as regras de etiqueta? Para respondê-la, você caminha ao redor do restaurante no almoço usando um jaleco branco, fazendo X numa prancheta. O efeito da expectativa do experimentador sugere que se essas pessoas descobrirem que você está observando-as e o porquê disso, podem decidir comer com a boca fechada ou usar talheres para cortar a carne.

Como a presença do observador altera o comportamento dos frequentadores do restaurante, Faircloth supõe que ninguém pode entrar em qualquer situação como observador sem alterar o comportamento das pessoas (observadas) ao seu redor. Por conclusão lógica, toda vez que uma nova pessoa entra no restaurante, o cenário mudará um pouco.

E, de fato, na vida real, muitas pessoas mudam seu comportamento na presença de outras como pais, professores e policiais de papelão. Mas tal mudança de comportamento não significa que nossas respectivas observações do mundo são inerentemente subjetivas. Na verdade, confirma o contrário.

O tipo de mudança que ocorre devido ao efeito da expectativa do observador envolve dois estados de comportamento claramente perceptíveis. O primeiro estado seria o anterior à observação – os frequentadores do restaurante em seu estado natural, chupando a sopa e mastigando de boca aberta. O segundo seria o estado de formalidade daqueles, após perceberam que estavam sendo observados.

A única forma de saber se suas observações tiveram um efeito sobre eles é se você fosse capaz de testemunhar ambos os estados de comportamento ou se você notasse uma melhoria notável nos modos deles à medida que observasse. Mas se você pudesse – o que Faircloth supõe que sim – isso significa que existem estados a observar, e uma mente (a sua, no caso) para observá-los. Longe de tornar a verdade impossível ao entrar no restaurante, a presença da sua mente torna possível que você conheça mais do comportamento dos frequentadores desse restaurante.

E mais do que isso, por meio do raciocínio analítico, é possível aprender algo sobre eles fora do seu escopo de pesquisa. Você poderia concluir que a mudança de comportamento deles se dá ou por respeito pela autoridade ou preferência pela privacidade, etc.

O ponto é, sua mente não é um obstáculo à aquisição de conhecimento sobre outras pessoas – mas sim sua ferramenta crucial para fazê-lo. A principal lição tirada da realidade do efeito da expectativa do observador é que sua mente é inerentemente limitada, mas que é necessário trabalho mental para entender o que é percebido. Isso não é uma prova da limitação do conhecimento, mas um fato do mundo.

De forma mais controversa, Faircloth também afirma que a verdade deve ser subjetiva porque o mundo que nos rodeia está em constante mudança. Ele muda, ela afirma, como resultado de nossas descrições enviesadas, modificando-se.

Essa linha de raciocínio é particularmente enganosa, porque, sim, descrições são inerentemente enviesadas. Limitamos coisas quando as descrevemos – selecionamos algumas características nas quais focamos, deixando outras de lado.

Como exemplo, permitam-me parafrasear uma avaliação de um restaurante onde escrevo esse artigo: o restaurante é um tipo de cafeteria; sem garçonetes; cardápio disponível inclui sopa, salada e sanduíche; o serviço é rápido; não há wi-fi disponível; relativamente tranquilo.

O avaliador acima engaja-se no processo de seleção: ele não menciona todas as características do restaurante, só aquelas relevantes para a maioria dos clientes. Esse processo de seleção proposital de características do restaurante para descrever algo a uma audiência é conhecida como essencialização.

Se bem-feita, a essencialização lhe informa muito do que você precisa saber. Nesse caso, a essencialização do avaliador lhe informa que esse provavelmente não é um lugar onde você pode deliciar um jantar completo ou marcar um jantar romântico. Ele lhe informa, todavia, que poderia ser um bom lugar para se isolar num canto e estudar.

Essa avaliação não lhe informa se a comida é vegana, sem glúten ou vegetariana; tampouco, se quem frequenta o restaurante usa terna ou roupas de yoga. Se qualquer um desses tipos de informação importa para você, você pode pensar que o avaliador não fez um bom trabalho de essencializar o restaurante.

Mas mesmo quando um leitor busca legitimamente informações diferentes da disponível na avaliação – quando a essencialização não ajuda – você pode verificar por si próprio, afinal, o próprio restaurante ainda existe para ser observado, bem como outras avaliações a serem lidas.

Certamente, um avaliador poderia distorcer a sua opinião sobre um restaurante, fazendo um leitor pensar que uma cafeteria é um restaurante cinco estrelas do Guia Quatro Rodas. Ou alguém poderia espalhar mentiras sobre um restaurante, arruinando a reputação de seu proprietário, encorajando, inclusive, algum tipo de vigilantismo contra tal negócio. Mas, mesmo assim, se você visitasse tal restaurante, ainda encontraria a verdade por si próprio. E se você fosse honesto consigo mesmo, admitiria a verdade.

Embora potente, o poder de distorcer o entendimento dos leitores não implica o poder de mudar o mundo em que sua audiência habita.

Ouvintes ou leitores podem ter entendimento equivocado como resultado de comunicadores incompetentes ou de má índole, mas o fato que as pessoas defenderem visões equivocadas como resultado não torna a verdade subjetiva. Em vez disso, tudo isso só ilustra a dificuldade de comunicar a verdade aos outros, e a facilidade com que mentiras podem ser espalhadas.

Os argumentos de Faircloth não demonstram a subjetividade da verdade; no geral, ambos ilustram quão difícil, às vezes, pode ser descobrir a verdade. Devemos compensar por quanto nossa própria presença influencia o comportamento dos outros, assim como devemos também ser conscientes de como informação de segunda mão tem o potencial de distorcer nosso entendimento.

Enquanto sua conclusão (e seus argumentos) estão errados, é compreensível como qualquer pessoa que tenha passado por nosso sistema educacional possa chegar à conclusão de que a verdade é subjetiva. Em nosso sistema educacional, estudantes adquirem o que presumem ser a verdade ao ouvir passivamente o discurso de figuras de autoridade.

Após anos de aprendizado passivo, é compreensível que alguém que, de repente, percebe que a verdade é difícil de obter decida, frustrado, que deve ser difícil porque ela é subjetiva.

Em vez de se render às dificuldades em frustração, Faircloth e outros como ela deveriam aprender uma lição maior: que a verdade não pode ser adquirida passivamente. Em contraste, adquirir a verdade requer uma mente ativa – uma mente que tanto busca informação como está comprometida a avaliá-la racionalmente. Obter a verdade também requer uma mente disciplinada – uma mente que não aceita contradições e que analisa velhos pressupostos frente a novas informações.

Só com uma mente ativa, disciplinada, é que você encontrará a verdade – fundamental para ação efetiva e uma vida feliz. É encorajador que Faircloth atribua valor à busca da verdade, e esperemos que ela venha a entender que a verdade é tão objetiva quanto é importante.

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Traduzido por Matheus Pacini

Publicado originalmente em The Undercurrent.

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