O problema das mídias sociais não é a (mídia), mas o (social)

Em teoria, a internet deveria aumentar a difusão de informações; na prática, todavia, as mídias sociais estão prejudicando nossa capacidade de processar novas ideias.

No momento, existe um amplo consenso de que as mídias sociais são um problema. Ao descrever sua contratação e abrupta demissão do The Atlantic (por causa de um tuíte), Kevin Williamson conclui que o problema é “o tribalismo alimentado pelo ódio nas redes sociais, em especial no Twitter, o qual infectou as páginas de opinião e, de certo modo, o restante do jornalismo.”

Esse é um bom resumo da fase distópica da nova mídia. Apesar da promessa de que a internet aumentaria a difusão de novas ideias, ela parece ter o efeito oposto: restringe a mente das pessoas, enfraquece sua capacidade de processar novas ideias e de lidar com discordâncias ideológicas.

Mas e se o problema com as mídias sociais não for a mídia, mas o social? Toda empresa de mídia social se vende falando sobre como “une” o mundo e ajuda a “formar comunidades globais.” Mark Zuckerberg fala disso o tempo todo. E se toda essa “formação de comunidades” fosse o problema, funcionando apenas como um mecanismo de conformidade, tribalismo e mesquinhez?

Em outras palavras, e se o problema com as panelinhas do Twitter não for o Twitter, mas sim as panelinhas? As campanhas publicitárias das empresas de mídias sociais depositam muita ênfase no valor de unir pessoas em grandes grupos. Mas se observarmos o comportamento delas nesses grupos, talvez questionemos a sabedoria de fazê-lo.

Analisemos o modo como as pessoas tendem a se comportar quando obtêm informações por conta própria. A leitura de um artigo ou livro é uma experiência inerentemente solitária. O autor e suas ideias estão nas páginas: você lê, absorve, reflete e faz um julgamento sobre elas, sem um público para lhe influenciar ou julgar sua reação. É só você, o livro e as ideias contidas nele.

Analisemos, agora, uma conversa cara a cara, uma troca de ideias em que você não possui razão alguma para debater, apenas ouvir e tentar entender o que a outra pessoa está falando, e que ela, em contrapartida, faça o mesmo. Não há sentido em arrogância, humilhações ou disputa retórica porque essas coisas afastariam sua única audiência, que é a outra pessoa.

Coloque as pessoas num grupo, no entanto, e o que acontece? Nessa situação, as pessoas não estão mais conversando entre si. Elas estão jogando para uma torcida. Para ser mais exato, para a torcida delas. Elas argumentam em busca do apoio de sua torcida, de seu grupo, seja qual for a bandeira que defendem: “justiça social”, “contra o politicamente correto” ou qualquer coisa que seja.

Observar como os debates se desenrolam nas redes sociais me faz lembrar da descrição que ouvi de um repórter no Iraque logo após a invasão dos EUA: quando entrevistava os iraquianos em particular, disse ele, ouvia com frequência opiniões razoáveis e moderadas, incluindo a disposição de cooperar com o novo governo e, com paciência, superar a ocupação dos EUA. Mas sempre que entrevistava alguém na rua, uma multidão os rodeava e as pessoas – em especial os jovens – rapidamente se tornavam mais enérgicos, agressivos e antiamericanos. A explicação disso? Elas já não falavam mais de suas próprias opiniões, mas buscavam agradar a plateia, tentando se sobressair e mostrar quão ousadas eram.

É isso que a mídia social nos ensina a fazer, e é possível perceber o reflexo disso no mundo real. Veja a descrição de Josh Blackman sobre o seu encontro com manifestantes estudantis em uma palestra do curso de Direito na City University of New York. Ele tentou estabelecer um diálogo, mas a maioria deles se fechou totalmente.

O estudante que mencionei anteriormente disse: “Eu não apoio esse cara, mas quero ouvi-lo falar.” Os manifestantes tentaram envergonhá-lo por isso. Ele continuou, “quero fazer uma pergunta muito difícil a ele, quero entender a sua noção de objetividade legal.” Sentindo que a situação tinha tomado outro rumo, respondi “sim, falemos disso”. Naquele momento, os manifestantes deixaram a sala e foram até a sala do reitor para reclamar.

Tão logo a manifestação tomou um caminho distinto, eles não puderam permanecer ali, afinal, isso diminuiria a performance pública de indignação que estavam tentando mantendo para benefício próprio – assim como estão acostumados a fazer nas redes sociais.

A mídia social funciona como um mecanismo de conformidade – apesar de que, como Jonah Goldberg observa, seja numa versão contemporânea estranha em que conformidade é sinônimo de rebelião. É por isso que existem “seguidores” no Twitter: isso dá a falsa impressão de ser aceito pelo grupo. Mas esse efeito não é sentido somente em grandes grupos. Não se trata apenas de impor conformidade a uma narrativa dominante.

Como nunca antes, a internet possibilita a conexão de pequenos grupos de pessoas que pensam parecido, que gostam dos mesmos passatempos ou que aceitam as mesmas teorias de conspiração, etc. A ampla variedade de pequenas subculturas on-line promove diversidade intelectual, mas também produz seu próprio tipo estranho de conformidade. Ela insere o excêntrico solitário no seio de uma nova comunidade on-line – que pode se tornar um vilarejo de mentes pequenas como a dele.

Um homem que antigamente era feliz ao ser um exército de um homem só agora é parte de uma comunidade, e ele encara pressão psicológica para se adequar a ela. Infelizmente, muitos de seus membros passam a não conseguir lidar com pessoas fora do grupo. Os líderes de seitas sabem muito bem disso: quanto mais diferente é esse grupo do resto do mundo, mais hostilidade seus membros enfrentam do lado de fora, e mais eles se unem e obtêm identidade ao aceitar as crenças e práticas esotéricas da seita.  

“Tribalismo” é só o nome que usamos para “comunidade” quando ela dá errado. É por isso que não estou feliz com a perspectiva de fragmentação das mídias sociais em pequenas comunidades ou subgrupos que nem sequer são amigos no Facebook: isso enfraquece a grande narrativa, mas fortalece a lealdade da tribo – e aprofunda a distância entre uma narrativa tribal e outra.

Essa é a implicação mais preocupante no caso de Kevin Williamson. Quando a esquerda fecha seus valores identitários para a direita e se torna mais isolada, uma das consequências é que ambos os lados se tornam mais restritos e seletivos. Um dos papéis mais importantes dos veículos de mídia apartidários que publicam material de ambos os lados do debate é que eles se tornam fóruns onde as pessoas podem tirar suas próprias conclusões.

Um escritor da Breitbart (de direita) ou do The Nation (de esquerda) tem maior probabilidade de permanecer numa linha de debate restrita ao seu lado partidário. Ele se preocupa com o que os leitores (e seus colegas de trabalho) comprometidos com a ideologia da publicação possam encarar como uma divergência (traição) inaceitável. Tenho a sensação de que o The Atlantic irá descobrir isso também. Agora que eles mostraram que irão ceder a grupos de esquerda do Twitter, o próximo passo é que esses grupos persigam os liberais pouco esclarecidos. Tendo expurgado os conservadores, eles se digladiarão uns contra os outros, reduzindo o diálogo ao limite estrito de suas próprias crenças.

Ellsworth Toohey, o apóstolo do conformismo e vilão do romance A nascente, exprimiu seu ideal como um mundo “em que o pensamento de cada homem não será o seu próprio, mas uma tentativa de adivinhar o pensamento no cérebro de seu vizinho, que, por sua vez, não terá nenhum pensamento próprio, mas uma tentativa de adivinhar o pensamento do próximo vizinho, que não terá nenhum pensamento … e assim por diante, no mundo todo.”

Ayn Rand explicou bem a tentação que muitos tinham de, frente a uma ideia nova ou controversa, perguntar-se como os outros reagiriam (amigos, grupos), antes de se posicionarem a respeito. Na era das mídias sociais, não é necessário imaginar, porque a resposta do grupo será conjunta, reforçada e transmitida por algoritmo a toda sua rede social, na velocidade da luz, no mesmo meio em que você provavelmente a ouviu. A mídia social reduz a distância entre o pensamento próprio e o veredito da multidão, porque a multidão está sempre presente.

Ayn Rand descreveu o tema de A nascente como o conflito entre o individualismo e o coletivismo “não na política, mas na alma dos homens.” A mídia social amplifica o coletivismo na alma dos homens – e este é seu problema fundamental.

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Publicado originalmente em The Federalist.

Traduzido por Verônica Ferrari Cervi.

Revisão de Matheus Pacini.

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