O consumidor não é soberano, e nem deveria ser.

Numa tentativa de acabar com a difamação progressista de que os capitalistas são monopolistas sujos que exploram seus clientes, alguns economistas libertários se colocam no outro extremo, dizendo que são os consumidores que têm todo o poder (“rei”), e que os fornecedores/vendedores/produtores são meramente subalternos (“súditos”) que devem suprir as necessidades do “rei”. Logo, eles [economistas libertários] discordam da afirmação de Hoark: “Não pretendo construir para poder ter clientes. Pretendo ter clientes para poder construir.”[1] Quando Roark faz essa afirmação, ele está negando que o cliente – o consumidor – é mais importante para a transação do que o fornecedor/vendedor/produtor.

Ayn Rand, a anticapitalista?

O economista de direita Mark Skousen, que fundou a FreedomFest e é muito popular nos círculos libertários, proclama que a afirmação de Roark se prova inconsistente com a economia de livre mercado.

Segundo Skousen, Roark nega o princípio básico da economia de mercado – o princípio da soberania do consumidor – e tal fato fica claro na seguinte passagem:

– O cliente – repetiu o reitor. – O cliente. Pense nele, acima de tudo. É ele quem vai morar na casa que você construir. Seu único propósito é servi-lo. Sua aspiração deve ser conferir a expressão artística apropriada aos desejos dele. Isso não é tudo o que se pode dizer sobre o assunto?

– Bem, eu poderia afirmar que minha aspiração deve ser construir para meu cliente a casa mais confortável, mais lógica e mais bonita possível. Poderia dizer que devo tentar lhe vender o melhor que eu tiver, e também ensinar-lhe a saber o que é o melhor. Eu poderia dizer isso, mas não direi, porque não pretendo construir para servir ou ajudar ninguém. Não pretendo construir para poder ter clientes, pretendo ter clientes para poder construir.[2

Mas o objetivo de todo empreendedor racional deve ser satisfazer as necessidades dos consumidores, e não ignorá-las! Descobrir e atender às necessidades dos consumidores é a essência do capitalismo de mercado. Imagine quanto duraria um fabricante de TV que decidisse construir TVs que só sintonizassem seus cinco canais favoritos, deixando a preferência do consumidor de lado? Não demoraria muito para ir à falência, não é?

O think tank da direita religiosa, Acton Institute, concorda com Skousen: “enquanto tal fanfarronice egoísta pode ser um atributo de uma personagem ficcional, essa atitude pode dificilmente ser considerada uma sólida fundação para o capitalismo.”

Devo explicar como a posição de Roark não é inconsistente com o capitalismo. Mark Skousen e o Acton Institute são os que não entendem o capitalismo e a Lei dos Mercados de Say quando afirmam que o consumidor é mais importante que o fornecedor/vendedor/produtor numa transação de mercado. Um entendimento correto da Lei dos Mercados de Say reconhece que ambos os lados de uma troca voluntária são igualmente importantes, e ambos os lados da troca são consumidores e produtores simultaneamente.

O dinheiro é um produto; Ao usar itens não monetários como pagamento, você compra dinheiro.

Considere a economia de escambo. Suponha que eu tenha um livro que você quer, e você tem uma lanterna que eu quero. Nós trocamos. No escambo, quem foi o produtor e quem foi o consumidor? A verdade é que cada parte foi tanto consumidora como produtora. Tal relação não muda quando introduzimos a moeda na troca.

A própria moeda é um produto utilizado pelas pessoas, e é um meio que usamos primariamente para o propósito da troca. Um automóvel é um meio que usamos para transporte. Um computador é um meio que usamos para salvar informação e disseminá-la. E a moeda é um meio para troca. E pagamos por dinheiro ao realizar uma troca por ele.

Pensemos dessa forma. Normalmente, se trabalho numa empresa, posso ser considerado como alguém que vende seu tempo e trabalho a ela. Tal empresa está comprando meu tempo e trabalho, pagando-me sob a forma de salários e benefícios. Mas analisemos doutra forma: eu estou comprando dinheiro daquela empresa. Meu pagamento a ela – em troca do dinheiro que ela me paga – vem sob a forma da realização de meu trabalho em nome daquela empresa.

Num país que adota a moeda fiduciária, pensamos no Tesouro, que imprime a moeda, e no BC, que tem o poder último de expandir o crédito respaldado por aquela moeda fiduciária, como donos de um cartel da produção de dinheiro. Não obstante, quem usa a moeda pode ser considerado um “revendedor de dinheiro” – alguém que vende dinheiro ao nível varejista.

Suponha que você deseja me vender um livro em troca de US$ 7 dólares. Por outro prisma: você está tentando obter US$ 7 dólares de mim, e seu pagamento tomará a forma do livro. Esse é o entendimento correto da Lei de Say: como o consumo é baseado na produção, segue que, na medida em que as trocas sejam pacíficas, você é um consumidor tanto quanto um produtor. Isto é, numa economia puramente consensual, você é tanto produtor como consumidor em toda transação.

Na medida em que a economia é pacífica, você é tanto consumidor como produtor em toda transação.

É verdade que, quando duas partes concordam em negociar, uma delas pode ter poder de barganha maior que a outra. Se eu for a um banco pedir um empréstimo, sinto que ele está em situação privilegiada quando da especificação dos termos do acordo/contrato. Tal fato é consequência da oferta e demanda. O princípio segue o mesmo: mesmo se uma das partes do acordo tiver mais poder de barganha que a outra, ambas são igualmente importantes para a troca ocorrer. Se ambas julgarem que não obterão um ganho líquido nesse acordo, o acordo comercial não será assinado.

Mark Skousen e outros pretensos economistas de livre mercado dizem que Howard Roark é um representante ruim do capitalismo quando rejeita alguns clientes com base em suas próprias preferências. Tais economistas dizem que um “verdadeiro capitalista” seria Peter Keating, quem prioriza a maximização do lucro financeiro por cima de ser capaz de viver por seus próprios padrões de forma consistente. Mas essa é uma interpretação equivocada – e os economistas libertários, de todas as pessoas, deveriam lembrar que a moeda é só um proxy de mensuração de riqueza, e que o verdadeiro objetivo da economia é a maximização da utilidade do indivíduo (a eudaimonia ou florescimento humano de Aristóteles).

Portanto, concluímos: Howard Roark não é necessariamente subordinado ao seu cliente, Austen Heller. Em vez disso, Howard Roark é um consumidor que está comprando dinheiro de Austen Heller. O pagamento de Roark a Heller é o projeto arquitetônico da casa de Heller, do modo que Roark preferir. Se Heller considerar que essa é uma forma de pagamento indigna ou imprópria, Heller não é obrigado a aceitar.

Portanto, contrário ao que Mark Skousen e os economistas que concordam com ele, Roark não é um representante ruim do capitalismo quando destaca que “ele tem clientes para poder construir”. Roark está simplesmente praticamente a economia consensualista em sua versão particular – uma versão que, de nenhuma maneira, entra em conflito com os princípios do voluntarismo.

Você é tanto consumidor como vendedor na mesma troca. Quando você compra um livro e paga US$ 7 dólares, você também está vendendo US$ 7 dólares e aceitando o livro como pagamento. Você é, portanto, consumidor e fornecedor/vendedor/produtor simultaneamente. Dizer que o consumidor tem mais poder que o fornecedor/vendedor/produtor é dizer que o consumidor é mais poderoso que ele próprio.

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Tradução de Matheus Pacini

Publicado originalmente por Stu-Topia

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[1] RAND, Ayn. A Nascente. São Paulo: Arqueiro, 2013. p. 28.

[2] RAND, Ayn. A Nascente. São Paulo: Arqueiro, 2013. p. 28.

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