Capitalismo: o que você precisa saber

O capitalismo é um sistema social baseado no reconhecimento dos direitos individuais, incluindo os direitos de propriedade, em que toda a propriedade é privada.

O reconhecimento dos direitos individuais leva ao banimento da força física nas relações humanas: basicamente, direitos podem ser violados unicamente pelo uso da força. Em uma sociedade capitalista, nenhum homem ou grupo pode iniciar o uso da força física contra outrem. Em tal sociedade, a única função do governo é proteger os direitos do homem, a saber, protegê-lo da força física; o governo age como agente do direito do homem à autodefesa, e pode usar a força somente em retaliação e contra quem iniciar seu uso; assim, o governo é o meio de se ter sob controle objetivo o uso retaliativo da força física.[1]

Quando digo “capitalismo”, quero dizer um capitalismo completo, puro, não controlado e desregulamentado do tipo laissez-faire – com uma separação entre Estado e economia, da mesma maneira e pelas mesmas razões da separação do Estado e da igreja.[2]

A justificação moral do capitalismo não repousa na alegação altruísta de que ele representa a melhor forma para alcançar “o bem-comum”. Isso é, de fato, verdade – se é que tal afirmação tem algum sentido – embora seja meramente uma consequência secundária. A justificação moral do capitalismo repousa no fato que ele é o único sistema coerente com a natureza racional do homem, o único a proteger a sua sobrevivência, e cujo princípio fundamental é a justiça.[3]

A ação necessária para sustentar a vida humana é primariamente intelectual: tudo que o homem necessita precisa ser descoberto pela sua mente e produzido pelo seu esforço. A produção é a aplicação da razão ao problema da sobrevivência […] Como conhecimento, raciocínio e ação racional são propriedades do indivíduo, e como a escolha de exercer ou não sua faculdade racional depende do indivíduo, a sobrevivência do homem requer que os que pensam sejam livres da interferência daqueles que não o fazem. Como os homens não são nem oniscientes, nem infalíveis, eles devem ser livres para concordar ou discordar, para cooperar ou seguir seu próprio caminho de forma independente, de acordo com seu próprio julgamento racional. A liberdade é o requisito fundamental da mente humana.[4]

É um fato metafísico básico da natureza humana – a conexão entre sobrevivência e uso da razão – que o capitalismo reconhece e protege.

 

Em uma sociedade capitalista, todas as relações humanas são voluntárias. Os homens são livres para cooperar ou não, negociar ou não entre si, de acordo com seus julgamentos, convicções e interesses individuais. Eles podem se relacionar entre si somente em termos de, e por meio da razão, ou seja, através da discussão, da persuasão e do acordo contratual, por escolha voluntária com vistas ao benefício mútuo. O direito de concordar com os outros não é um problema em nenhuma sociedade; é o direito de discordar que é crucial. É a instituição da propriedade privada que protege e implementa o direito de discordar – e, assim, mantem o caminho aberto ao atributo pessoal, social e objetivamente mais valioso do homem: a mente criativa.[5]

É por referência à filosofia que o caráter de um sistema social tem de ser definido e avaliado. Equivalente aos quatro ramos da filosofia, os quatro pilares do capitalismo são: metafisicamente, os requisitos da natureza e sobrevivência do homem; epistemologicamente, a razão; eticamente, os direitos individuais; e politicamente, a liberdade.[6]

O capitalismo exige o melhor de todo homem – sua racionalidade – e o recompensa de acordo. Nele, cada homem escolhe livremente o trabalho que gosta, para especializar-se nele, para trocar seu produto pelo dos outros, chegando tão longe quanto sua habilidade e ambição lhe permitir. Seu sucesso depende do valor objetivo do seu trabalho, e da racionalidade dos que reconhecem tal valor. Quando os homens são livres para comercializar, tendo a razão como único guia, quando nenhum homem pode usar a força física para arrancar o consentimento do outro, é o melhor produto e o melhor julgamento que vencem em todo âmbito da atividade humana. De quebra, isso aumenta o padrão de vida – e de raciocínio – daqueles que tomam parte na atividade produtiva da humanidade.[7]

No livre mercado, o valor econômico do trabalho de um homem é determinado pelo consentimento voluntário de ambas as partes do processo laboral. Esse é o significado moral da lei de oferta e demanda.[8]

A essência da política externa no capitalismo é o livre comércio – isto é, a abolição das barreiras comerciais, das tarifas protecionistas e dos privilégios especiais – a abertura das rotas comerciais do mundo à troca internacional e à competição entre cidadãos privados de todos os países em negociação direta uns com os outros.[9]

O capitalismo laissez-faire é o único sistema social baseado no reconhecimento dos direitos individuais e, portanto, o único sistema que bane a força das relações sociais. Pela natureza de seus princípios e interesses básicos, é o único sistema fundamentalmente oposto à guerra.[10]

O fluxo de desinformação, deturpação, distorção e falsidade descarada sobre o capitalismo é tal que os jovens de hoje não têm ideia (e, virtualmente, nenhuma forma para descobrir) a sua verdadeira natureza. Enquanto arqueólogos escavam ruínas milenares por restos de cerâmica e pedaços de ossos na ânsia de recuperar alguma informação relativa à nossa existência pré-histórica – os eventos do século passado estão soterrados por uma camada mais impenetrável que a dos restos geológicos: uma camada de silêncio.[11]

O século XIX foi a expressão e o produto final da tendência intelectual do Renascimento e da Era da Razão, isto é, de uma filosofia predominantemente aristotélica. E, pela primeira vez na história, surgiu um novo sistema econômico, o corolário necessário da liberdade política, um sistema de livre comércio no livre mercado: capitalismo.

Não, não era um completo, perfeito e não regulamentado capitalismo de livre mercado – como deveria ter sido. Mesmo nos Estados, ainda havia vários níveis de interferência e controle governamentais – e isso que levou a sua eventual destruição. Contudo, o nível de progresso econômico de certos países era diretamente proporcional à extensão de sua liberdade. Os Estados Unidos, a nação mais livre, prosperou mais.

Não importam os baixos salários e as terríveis condições de vida no início do capitalismo, afinal, estavam de acordo com o que as economias de época podiam oferecer. O capitalismo não criou a pobreza, ele a herdou. Comparado aos séculos de miséria pré-capitalista, a condição de vida dos pobres melhorou e lhes foi dada a primeira chance que já tiveram de sobreviver. Como prova – o grande crescimento da população europeia durante o século XIX, de mais de 300%, quando comparada ao ritmo anterior de 3% ao século.[12]

O capitalismo não pode funcionar com trabalho escravo. Foi o Sul agrário e feudal que manteve a escravidão. Foi o Norte industrial e capitalista que a eliminou – assim como o capitalismo o fez com a escravidão e a servidão em todo mundo civilizado do século XIX.

Qual maior virtude pode-se atribuir a um sistema social que o fato de não dar possibilidade a qualquer homem de buscar seus próprios interesses por meio da escravidão de outros homens? Que sistema mais nobre poderia ser desejado por alguém cujo objetivo é o bem-estar do homem?[13]

Frequentemente, pergunta-se: por que o capitalismo sucumbiu apesar de seu histórico incomparavelmente benéfico? A resposta está no fato de que a sobrevivência de qualquer sistema social é a filosofia dominante de uma cultura e que o capitalismo nunca teve uma base filosófica. Foi o produto final e (teoricamente) incompleto de uma influência aristotélica.

Como uma onda resurgente de misticismo envolveu a filosofia no século XIX, o capitalismo foi deixado em um vácuo intelectual, sua sobrevivência tirada. Nem sua natureza moral, nem mesmo seus princípios políticos jamais tinham sido totalmente entendidos ou definidos. Seus supostos defensores o consideravam compatível com controles governamentais (por exemplo, interferência governamental na economia), ignorando o significado e as implicações do conceito de laissez-faire. Na prática, o que tínhamos no século XIX não era um capitalismo puro, mas diversas economias mistas. Como controles requerem e fomentam mais controles, foi o elemento estatista das misturas que as destruiu; era o elemento livre capitalista que levou a culpa.

O capitalismo não poderia sobreviver em uma cultura dominada por misticismo e altruísmo, pela dicotomia corpo-mente e pela premissa tribal. Nenhum sistema social (e nenhuma instituição humana de qualquer tipo) pode sobreviver sem uma base moral. Sob uma moralidade altruísta, o capitalismo tinha de estar – e estava – condenado desde o início.[14]

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Tradução de Matheus Pacini

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[1] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. New York: Signet (Penguin Group), 1967. p. 19

[2] RAND, Ayn. A Virtude do Egoísmo. Trad. de On Line-Assessoria em Idiomas. Porto Alegre: Ed. Ortiz/IEE, 1991. p. 45

[3] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. New York: Signet (Penguin Group), 1967. p. 20

[4] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. New York: Signet (Penguin Group), 1967. p. 40

[5] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. New York: Signet (Penguin Group), 1967. p. 19

[6] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. New York: Signet (Penguin Group), 1967. p. 25

[7] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. New York: Signet (Penguin Group), 1967. p. 27

[8] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. New York: Signet (Penguin Group), 1967. p. 26

[9] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. New York: Signet (Penguin Group), 1967. p. 39

[10] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. New York: Signet (Penguin Group), 1967. p. 38

[11] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. New York: Signet (Penguin Group), 1967. p. 19

[12] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. New York: Signet (Penguin Group), 1967. p. 40

[13] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. New York: Signet (Penguin Group), 1967. p. 136

[14] RAND, Ayn. Capitalism: The Unknown Ideal. New York: Signet (Penguin Group), 1967. p. 30

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