A solução para a educação está no sistema de vouchers e charter schools?

“O conhecimento sempre regerá a ignorância; e um povo que pretende ser seu próprio governante deve se armar com o poder que o conhecimento lhe dá.”

James Madison

Vouchers é uma espécie de bolsa-educação que o governo entrega aos que supostamente não têm recursos suficientes para pagar a educação de seus filhos ou a sua própria. Obviamente, os recursos que o governo disponibiliza aos beneficiários destes são obtidos através da cobrança de impostos. Os detentores dos vouchers podem usá-los para o pagamento de matrículas e mensalidades em escolas privadas que aderirem a um programa especial estabelecido pelo governo. Com a apresentação dos vouchers e, supõe-se, mediante o atendimento de outras exigências, o governo reembolsaria o voucher à escola.

Charter Schools são escolas particulares, constituídas para operarem sem fins lucrativos, que mantém convênio com o governo que lhe aporta os recursos necessários para o seu funcionamento, de acordo com o número de matrículas contratadas, os resultados alcançados e outras condições mutuamente definidas.

Dito isso, eis o que eu penso a respeito:

Esses dois modelos não resolvem os principais problemas da educação: no máximo, podem servir como um paliativo transacional de um sistema puramente estatal para outro totalmente privado. Mas, ao adotá-los, corremos o risco de ficar no meio do caminho porque os objetivos e resultados que se deseja obter nesse transcurso podem ser boicotados pelas características intrínsecas e congênitas que definem a incapacidade do governo na prestação de bons serviços à população.

Todos já estamos cansados de saber que governos não prestam para operar escolas porque sua ação se fundamenta na coerção. No geral, as escolas públicas não funcionam direito porque não são competitivas. A falta de concorrência impede a mensuração precisa de sua competência sob a ótica do mercado. Assim como escolas públicas não se veem estimuladas a melhor seus serviços por terem um público cativo, a população que recebe o serviço de forma supostamente gratuita, acomoda-se sem reclamar porque não paga explicitamente e não tem liberdade para escolher o que será consumido.

Ao contrário de qualquer atividade econômica produtiva, as escolas estatais ou paraestatais nem visam, nem vivem de lucros, logo, o que é fator determinante para a manutenção e desenvolvimento de qualquer atividade produtiva. Sem lucros, ninguém consegue remunerar o investimento; sem cálculo econômico, ninguém sabe definir se os custos estão adequados aos serviços oferecidos e se esses são ou não valorizados por quem os está consumindo. A impossibilidade do cálculo econômico e da aferição de competência não permitem que as escolas do governo se mostrem estimuladas a oferecer qualidade compatível com o que a sociedade precisa para se educar, se desenvolver e prosperar. Nem a boa vontade de professores e outros profissionais da educação sobrevivem à falta de condições materiais e de parâmetros de avaliação quantificáveis, seja econômica, seja financeiramente.

Notem que não é a falta de investimentos que faz com que os resultados da educação estatal sejam ruins. É a falta de estímulos para que haja bons resultados que torna a qualidade do ensino medíocre e faz com que um volume enorme de recursos seja desperdiçado no processo educacional. Afinal, as escolas públicas, mesmo com prejuízo ou péssimos resultados, não fecham: elas seguem fazendo estragos econômicos e educacionais com nefasta repercussão em toda a sociedade.

E quem tem capacidade financeira, gerencial e competência pedagógica para fornecer os serviços educacionais?

Quem é estimulado a isso por conta do risco (i) de perder a clientela, as receitas, o lucro e os investimentos ou (ii) de fechar as portas é a iniciativa privada sob o regime concorrencial do livre mercado. Livre mercado é o mercado livre da violência, seja ela promovida por particulares ou pelo governo.

A iniciativa privada é movida pelo lucro, por isso tem que se esmerar para satisfazer seu público. No caso da educação, as escolas representam a iniciativa privada, são elas que devem atuar com liberdade para poder atender a demanda por conhecimento de seu público (pais e alunos): é a lucratividade das escolas que permite que elas saibam se estão entregando um serviço valorizado pelo público; e é a satisfação dele que permitirá às escolas manter bons professores, bem como aperfeiçoar os processos para redução de custos para que os preços cobrados sejam compatíveis com aqueles que o público está disposto a pagar.

Educação deve ser tratada como qualquer outro serviço. Alguém oferece porque há demanda, alguém consome porque a oferta satisfaz.

Porém, existe um fator que impede o funcionamento adequado de todo o sistema: a educação é considerada, por lei, obrigatória para todos os cidadãos; e, por lei, de ser provida pelo governo.

Por implicação lógica, deduz-se que caberia ao Estado, que obriga as pessoas a estudarem, também financiar o ensino, o que é uma imoralidade. Ninguém deveria ser obrigado a estudar. Assim como ninguém deveria pagar os estudos dos outros sob coerção.

Como já se sabe, as escolas públicas não funcionam. Qualquer estudo que compare os resultados entre escolas estatais e escolas privadas expõe uma discrepância abissal entre elas no que concerne ao conhecimento adquirido pelos alunos e aos custos despendidos para oferecê-lo.

Por todos os parâmetros, abaixo seguem apenas duas referências, escolas privadas no Brasil apresentam resultados muito superiores, com custos muito menores, do que suas concorrentes estatais.

Avaliação média pelo IDEB* (Notas de 0 a 10)
Escola 2007 2009 2011 2013 2015
Privada 5,6 5,6 5,6 5,4 5,3
Pública 3,1 3,2 3,4 3,4 3,5
Diferença %

Privadas/Públicas

81% 75% 65% 59% 51%
*IDEB é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado em 2007, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
Custo relativo por aluno pelo CMgLP*
Escola Índice Base 100
Pública 992,22 100,00
Privada Fins Lucrativos 414,90 41,82
Privada Sem fins Lucrativos 248,27 25,02
*Cálculos ponderados e dados obtidos do estudo do prof. Darcy Francisco Carvalho dos Santos, “Educação Pública: uma proposta alternativa para os governos estaduais”, realizada sobre informações do mercado educacional e da Secretaria de Educação do RS.

É desesperador quando, em vez de privatizar toda a rede de ensino, deixando que empreendedores e consumidores se entendam voluntariamente (como fazem em outros mercados), os apóstolos do planejamento central e do controle das mentes dos jovens desenvolvem um paliativo, uma solução híbrida que tenta mesclar princípios do livre mercado com práticas intervencionistas nessa atividade da qual o governo parece não querer se ausentar.

Eu sei que Milton Friedman, um liberal, é um dos idealizadores desse sistema. Eu mesmo já o defendi anteriormente. Mas as ideias evoluem e depois de várias e longas experiências com esses instrumentos, podemos dizer que, sim, eles melhoram o processo, aprimoram os resultados, mas não são suficientes nem para se chegar à excelência e, muito menos, para se alcançar a absoluta moralidade.

Há, pelo menos, três alegações que especialistas e legisladores utilizam para evitar a implementação de uma mudança radical e libertadora que permitiria, em efetivo, que a nossa sociedade dotasse crianças e jovens com mentes livres e independentes capazes de aprender a lidar com a realidade – compreendendo a sua natureza e as leis que a regem – inclusive, a natureza e as idiossincrasias do próprio ser humano.

A primeira alegação é a de que cabe ao governo determinar as diretrizes educacionais que definirão o quê, quando e como se deve ensinar a população.

Apesar da existência de inúmeros métodos pedagógicos, inúmeras escolas de pensamento, inúmeras ideologias e tecnologias que atendem os mais variados propósitos, o governo quer planejar e executar um plano básico uniforme de ensino para equalizar o acesso e a saída dos estudantes do sistema.

Obviamente, essa é uma falsa premissa. Não cabe ao governo definir nada no que se refere à educação. Educar-se é responsabilidade do indivíduo; no caso das crianças pequenas, é de responsabilidade de quem tem a sua guarda. São os propósitos de vida, estabelecidos para si por cada indivíduo, que devem definir que rumo cada um dará à sua carreira educacional e produtiva. É o mercado que induzirá qual a melhor carreira, a melhor formação, a melhor escola e o melhor método de ensino. Nenhum governo, ministro, burocrata ou ideólogo pode substituir ou encampar as preferências individuais. É a sociedade, individualmente e sem coerção, que deve decidir, na prática, o que será oferecido e o que será demandado no que diz respeito à educação porque o futuro de cada um pertence a cada um.

É evidente que políticos e burocratas querem o controle das mentes e corações das novas gerações para doutriná-las com o objetivo de servirem ao estado, supostamente em nome da sociedade que ninguém sabe, exatamente, do que se compõe. Toda a burocracia estatal é formada por um estamento corporativo que deseja manter seu poder para usufruir das benesses que somente o uso da coerção pode propiciar.

A segunda alegação é a de que a educação não seria uma mercadoria, por isso não estaria sujeita às leis de mercado. A educação seria uma espécie de bem estratégico, envolvendo o interesse nacional e o bem comum, abstrações vagas e indefinidas.

Obviamente, essa é outra falsa premissa. A educação é um bem como outro qualquer. A diferença é que antes de adquirir materialidade, seu valor é puramente intelectual ou espiritual, dependendo do conteúdo que está sendo ensinado e da capacidade cognitiva de quem está aprendendo.

O valor intelectual e espiritual recebido por um estudante é objetivo, relaciona-se tanto com a realidade quanto com a consciência de quem ensina ou de quem aprende. O valor objetivo tem a ver com a importância desse bem para o florescimento do indivíduo, na medida em que pode prover as condições necessárias para tornar a sua vida mais saudável, longeva, produtiva e feliz.

O valor intelectual e espiritual do bem que é oferecido aos estudantes também é subjetivo, pois pode variar de indivíduo para indivíduo, de acordo com os propósitos que cada um tiver dado para sua vida.

Esses propósitos envolvem escolhas pessoais muito particulares. Ninguém, a não ser o próprio indivíduo, ou seus responsáveis, se ele tiver pouca idade, pode definir o que é mais ou menos interessante para ele. Nenhum governo ou seu agente pode tomar essa decisão no lugar daquele que detém a soberania sobre a sua própria vida e o direito de definir o seu próprio destino.

Da mesma forma, ninguém pode garantir que os resultados almejados pelos envolvidos no processo sejam alcançados porque há fatores epistemológicos, inerentes à mente humana, que podem inviabilizar a satisfação das expectativas estabelecidas.

A terceira premissa é que, sim, a iniciativa privada provê melhor qualidade com menores custos porque opera sob a égide do livre mercado e depende de lucros para subsistir. Porém, como os pobres não possuem renda suficiente para adquirir tudo o que desejam, não conseguem pagar a educação dos filhos, cabe então ao governo subsidiar, integral ou parcialmente. Mas não é só isso. Entendem também que o governo deve intervir na educação porque, sendo ela obrigatória para o bem da sociedade, a sociedade, através do governo, deve proporcionar a todos o acesso à educação, subsidiando aqueles que não puderem arcar com os custos envolvidos no provimento dos serviços de ensino que usufruirão.

Seguem um falso silogismo quando entendem e advogam que (i) a educação exige recursos, (b) que, sem educação, ninguém pode ser livre e (c) que, sem liberdade, ninguém pode produzir os recursos necessários para pagar pela educação. Logo, o “direito” à educação precede os direitos à liberdade e à propriedade, devendo ser garantido por lei e imposto com o uso da coerção.

Mais uma vez, obviamente, essas são premissas falsas. É verdade que o regime de livre concorrência e a necessidade de lucro são fatores decisivos na formação de um sistema educacional com qualidade e custos adequados. No entanto, quando o governo diz que lhe cabe, em nome da sociedade, subsidiar aqueles que não têm recursos para pagar a educação dos filhos ou a sua própria, fica implícito que ele, o governo, que não cria, mas consome riqueza, terá que extorquir aquilo que usará para transferir para os pobres diretamente dos lucros das escolas, de seus fornecedores, de seus servidores e de seus consumidores também, encarecendo e tirando a competitividade que faz com que a qualidade de ensino possa ser elevada e os custos para oferecê-la reduzidos.

O governo cria, com sua intervenção, um círculo vicioso perverso, que acabará lhe permitindo, inclusive, já que ele usa a coerção, influenciar as decisões das escolas na escolha do currículo, da qualidade e dos custos cobrados nas matrículas e mensalidades.

Sabe-se que o sistema de livre mercado se sustenta sobre bases institucionais bem-definidas, um sistema legal com leis objetivas e uma instituição, o governo, que serviria para aplicar tais leis na defesa dos direitos individuais inalienáveis, quais sejam, o direito à vida, à liberdade, à propriedade e à busca da felicidade.

Submeter qualquer um desses direitos ao desejo do governo de oferecer um serviço (educação é um serviço, não um direito), é subverter todo o sistema que permitiria à população, inclusive aos mais pobres, ter a sua vida protegida, a sua liberdade garantida, a sua propriedade segura e a busca da felicidade possibilitada pelas forças livres de um mercado que permite aos seres humanos cooperarem para criar os valores e os recursos que lhes propiciarão obter o que desejam, inclusive educação.

Para se dar algo para alguém, como a educação gratuita, é preciso que esse algo, antes, seja criado. Ninguém cria algo sem liberdade e sem o conhecimento que poderá usufruir de sua propriedade como bem quiser.

Mesmo que houvessem indivíduos pobres em uma sociedade livre, eles seriam bem menores em número que em uma sociedade onde a intervenção do governo é disfuncional. Nas sociedades mais avançadas, os mais pobres recebem ajuda filantrópica voluntária através de bolsas de estudos proporcionadas pelas próprias instituições de ensino que, por sua vez, recebem doações de ex-alunos ou incentivadores para esse fim.

Finalizando, charter schools ou escolas sem fins lucrativos que operam sob o regime de parceria público-privada onde a administração é privada, mas os recursos são estatais, obtidos da população com o uso da coerção prevista na legislação tributária, é uma aposta arriscada que não resolve o problema. Não basta a melhora nos resultados aferidos quanto à qualidade do ensino para tornar o sistema moral. É preciso romper os vínculos entre o ente coercitivo governamental e as instituições educacionais que demandam liberdade para cumprir o seu papel.

Entendo, também, que os vouchers seguem no mesmo caminho, com o atenuante de que, quem paga a escola é o consumidor dos serviços após receber do governo o cheque para tal. Podemos imaginar que, para um pai ou uma mãe de família, isso seria pedagógico. Ver materializado, na forma de um voucher (cheque), o poder de escolha da escola, substituiria a rotina atual que é a de depositar seus filhos na porta da instituição de ensino mais próxima, entregando para o governo e seus agentes, a mente em formação daquelas crianças e jovens.

Na realidade, como disse uma amiga, médica renomada, pedagógico é aprender a enfrentar a vida apesar da sua origem humilde, vendo seus pais abrirem mão dos prazeres que podiam comprar para, com o fruto de trabalho árduo, poderem adquirir a felicidade duradoura, alcançada diariamente através da formação do caráter que se aprende em casa e na rua, e da acumulação de conhecimento que se obtém na escola e na vida.

Hoje, o governo disponibiliza escolas que ele próprio opera da forma mais ineficiente possível. A educação no Brasil sofre todos os tipos de ingerência perniciosa por estar submetida a incentivos equivocados. Não há liberdade nas relações, não há descentralização decisória, não há concorrência, não há incentivos como o risco de perda e a oportunidade de ganho, não há comunicação com o mercado, nem com os sonhos e propósitos de pais e dos estudantes. Todo o sistema foi capturado pelas corporações cujo único compromisso é com a satisfação das pautas sindicais e do avanço das ideologias que dão suporte às suas políticas.

O sistema de vouchers e de charter schools não tratam do principal problema da interferência do governo na educação que é a impossibilidade de se exercer, plenamente, a liberdade de consciência.

O Iluminismo que surgiu na Europa após a Idade Média, inaugurando a modernidade, consolidou e institucionalizou a separação entre o governo e a religião, única maneira de proporcionar aos indivíduos o exercício da liberdade de consciência, pelo menos no que se refere à fé. No entanto, nossa consciência, e a importância da liberdade para nutri-la e colocá-la a nosso serviço, vai muito além da religião.

A consciência humana deve ser livre para explorar, com objetividade e racionalidade, o universo que nos cerca. Para ser livre, é preciso também que haja independência para que o indivíduo não se sinta coagido a aceitar dogmas ou mistificações que podem obliterar sua racionalidade e objetividade. Entender como devemos obedecer a natureza para comandá-la é uma exigência existencial que não podemos contornar sob pena de perecermos.

A liberdade de consciência exige independência também no sentido de que somos efetivamente livres e independentes quando utilizamos nossos próprios recursos materiais e intelectuais no exercício da faculdade do uso da razão. Não saberemos a extensão da nossa consciência se não pudermos exercê-la com liberdade e independência para nos tornarmos conscientes da realidade, única maneira que temos para viver e sermos felizes.

O passo completo para a liberdade de consciência e a independência individual é a absoluta separação entre o governo e os assuntos da educação, da mesma forma que ocorreu com a religião.

Esse é o motivo fundamental que me leva a considerar os sistemas de vouchers e charters schools falhos. Eles são apenas um meio-passo.

Quem não completa um passo é porque caiu antes ou, se ainda não caiu, cairá depois.

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Revisado por Matheus Pacini.

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